Era perto do meio-dia. Estacionei, ela entrou no carro e disse:
– Estou sem fome. Preciso ir em casa tomar um banho. Estou com cheiro de p_ta.
– Quê?
– Cheiro de p_ta.
Pensei: “Deve ser alguma pegadinha, quer que eu diga que sim, ou que não, que mostre alguma intimidade com o job, aliás, o título politicamente correto desta crônica deveria ser ‘Cheiro de mulher do job’, mas assim, não retrataria a realidade do diálogo – e não atrairia o leitor até aqui.
Nossa conversa ficou congelada por intermináveis segundos, só ouvíamos as respirações – e eu já sentia o perfume. Continuei submerso no meu pensamento: “Será que está me testando? Ela costuma ser bem direta. Antes de me conhecer, pode ter lido alguma coluna minha em jornal, onde expus muitas incursões noturnas, dos meus amigos, evidentemente. Será que ela lera um dos meus textos mais comentados, até hoje?”.
Conteúdos em alta
Explico: Há uns quinze anos, em um jantar de encerramento do time de colunistas do Por Acaso, incluindo especialistas em música, política, gastronomia, esportes, cultura, polícia e eu, o contador de histórias, um deles sugeriu fazer uma matéria sobre as casas de entretenimento adulto. Todos escaparam. Ninguém queria ficar com o carimbo de entrevistador do bordel.
Fui lá. Fiz o trabalho completo, exceto o título, que o Max Pires foi competentíssimo ao redigir: ‘Por dentro da casa das primas’. O site bombou e o extrato mostrou maior interesse do público feminino, que por suposto, tinha muita curiosidade sobre o modus operandi dos famosos meretrícios. No século XX, a cidade de Jaras era cercada deles. Entre a BR101 e o portal havia 17 cabarets e as vias-sacras eram comuns em noites de despedidas de solteiros.
Voltei ao diálogo:
– Como esse cheiro chegou em ti? Abraçaste alguém com esse perfume?
– Não! Lembras que ganhei amostra de perfume naquela loja de maquiagem, que estivemos nas férias?
– Hum, lembro…
– Então, resolvi usar hoje. É muito ruim estar com um cheiro que não é o teu.
– Hum, entendi. Eu até ia te dizer que as profissionais não usam perfume e têm maquiagem especial que não mancha a roupa…
– Eu sei. Está no teu livro ‘Indesmentíveis’, se não me engano, na página 87.
Parafraseando Helen Rowland (1875-1950): A intuição é aquele estranho instinto que permite a mulher saber que está certa, esteja ela ou não.
Marcelo Lamas
Marcelo Lamas Cronista, autor de 4 livros. Sou gaúcho radicado em Jaraguá, há 3 décadas, porém, estou mais para jaraguaense, nascido no RS. Frio, doces, cafés, gatos, livros, futebol e Coca-Cola são as minhas preferências.