Os ônibus amarelos de filmes que rodaram em Jaraguá do Sul e sumiram com o tempo
Os dias em que cenas de filmes americanos invadiram as ruas de Jaraguá do Sul
Modelos como este chegaram em Jaraguá do Sul em 1996, doados por entidades internacionais. Para muitos, pareciam saídos de um filme. Foto: Pixabay
No meio da década de 1990, uma cena inusitada virou rotina em Jaraguá do Sul: ônibus escolares amarelos, iguais aos vistos em filmes e séries dos Estados Unidos, passaram a circular pelas ruas da cidade, transportando alunos da rede pública. O impacto visual e emocional foi imediato. Para as crianças, entrar naqueles veículos era como viver uma cena de cinema. Para os adultos, uma mistura de curiosidade e surpresa: afinal, como aqueles ônibus “de filme” vieram parar aqui?
Esses veículos, fabricados nos Estados Unidos e já com alguns anos de uso, foram doados por meio da Santiago Cancer Foundation, uma entidade norte-americana que, com a intermediação de políticos e consultorias internacionais, encaminhou centenas de unidades para diversas cidades catarinenses — entre elas, Jaraguá do Sul.
Jaraguá do Sul recebeu veículos em 1996, direto do Canadá
No ano de 1996, chegaram ao município cerca de 300 alunos a bordo de ônibus modelo Ford, ano 77, doados pela Cancer Foundation do Canadá. Cada unidade custou aproximadamente R$ 15 mil aos cofres públicos, valor destinado a taxas de desembarque, liberação alfandegária e seguro de viagem.
A entrega oficial foi feita na Expoville, em Joinville, com presença de representantes da entidade canadense e políticos locais. A intermediação do processo foi feita pelo então deputado federal Paulo Bauer, que assinou os convênios entre a fundação e a Prefeitura de Jaraguá do Sul.
Na época, o prefeito Durval Vasel ainda buscava a ampliação do convênio, com o objetivo de trazer ambulâncias equipadas com UTI móvel. “Nossa intenção é que os veículos cheguem ainda este ano. Estamos mantendo contato para que isso se defina o mais rápido possível”, declarou o prefeito na ocasião.
De filmes para a vida real: o fascínio dos “school buses”
A chegada dos veículos gerou grande comoção. Reconhecidos como ícones da cultura americana, os “school buses” vinham com estrutura robusta, cores vibrantes e formatos distintos — exatamente como os vistos em produções hollywoodianas. Isso mexeu com o imaginário coletivo: era como se a cidade tivesse sido palco de um filme ao ar livre.
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O cenário se repetiu em outras cidades catarinenses, como Canoinhas, Papanduva, Três Barras, Capinzal e Timbó, onde ônibus, micro-ônibus, vans e até ambulâncias foram doados. As prefeituras firmaram acordos oficiais com a Santiago Cancer Foundation, aprovados por leis municipais e documentados em câmaras de vereadores.
Mas o sonho não durou: peças caras e manutenção impossível
Apesar do impacto cultural e simbólico, a realidade bateu à porta pouco tempo depois. Os ônibus, muitos com sete a dez anos de uso no momento da doação, começaram a apresentar problemas de manutenção. As prefeituras se depararam com um desafio imenso: a maioria das peças era importada, e os motores potentes — de seis ou até oito cilindros — consumiam mais e exigiam cuidados que as oficinas locais não estavam preparadas para oferecer.
Muitas prefeituras tentaram adaptar os veículos à realidade brasileira, trocando peças, alterando motores e fazendo reformas improvisadas. Mas os custos não compensavam, e aos poucos, os veículos foram sendo abandonados.
Hoje, é difícil encontrar vestígios desses antigos ônibus escolares. Eles desapareceram dos pátios escolares, sumiram das ruas e deixaram poucas pistas de seu paradeiro. Em alguns casos, foram desmontados; em outros, apenas esquecidos.
Legado inusitado: do transporte escolar ao turismo
Alguns exemplares resistiram ao tempo de forma criativa. Em Capinzal (SC), um antigo ônibus doado foi transformado em acomodação turística. A pousada American Bus Glamping reformou o veículo e o adaptou como uma espécie de chalé temático, preservando seu estilo vintage e evocando a nostalgia da época.
Como isso impacta sua vida?
Se você cresceu em Jaraguá do Sul nos anos 1990, talvez tenha sido uma das crianças que viveu a experiência de andar num ônibus “americano”, com cara de filme. Aquela sensação de euforia e novidade marcou uma geração. No entanto, a curta vida útil desses veículos mostra como boas intenções nem sempre se sustentam na prática.
O caso também serve de alerta para os desafios logísticos de receber doações internacionais sem planejamento de longo prazo. Jaraguá do Sul foi palco dessa experiência — que virou memória, curiosidade histórica e, quem sabe, inspiração para novos usos criativos desses ícones sobre rodas.
Marcio Martins
Profissional da comunicação desde 1992, com experiência nos principais meios de Santa Catarina e no poder público. Observador, contador e protagonista de histórias, conheço Jaraguá do Sul como a palma da mão