Colunistas | 19/12/2025 | Atualizado em: 19/12/25 ás 11:45

[Opinião] Quando a democracia é testada: Era Vargas (1935) × Era Lula (2023)

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[Opinião] Quando a democracia é testada: Era Vargas (1935) × Era Lula (2023)

Foto: IA

A História não se repete, mas frequentemente “rima”. Em momentos de crise institucional, o Brasil recorre à memória para tentar compreender o presente. Foi assim após os levantes de 1935, durante a Era Vargas, e voltou a ser após os atos de 8 de janeiro de 2023, já no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

Apesar das diferenças ideológicas entre Getúlio Vargas, associado a um projeto nacional-estatista de viés conservador e autoritário, e Lula, identificado com uma agenda progressista e social-democrata com inspiração socialista, ambos os períodos foram atravessados por ataques à ordem institucional e por respostas firmes do Estado.

Este dossiê propõe uma leitura comparativa e reflexiva, confrontando dois momentos históricos separados por quase 90 anos, para responder a uma pergunta central: como o Estado brasileiro reage quando a democracia é colocada em risco e o que mudou (ou não) nesse intervalo histórico?

1. Era Vargas (1935): crise, medo e autoritarismo em construção

Em 1935, o Brasil vivia um ambiente de forte instabilidade política. O governo Vargas, ainda consolidando seu poder após a Revolução de 1930, enfrentava oposição de diferentes matizes ideológicas. Os levantes armados de novembro daquele ano, atribuídos à Aliança Nacional Libertadora e ao Partido Comunista, serviram como catalisadores para a ampliação do aparato repressivo do Estado.

A criação da Lei nº 38/1935 (Lei de Segurança Nacional) e do Tribunal de Segurança Nacional (TSN) marcou um ponto de inflexão. O acórdão publicado em 1937 no Diário Oficial do Estado de Santa Catarina revela um Judiciário de exceção, no qual a noção de “crime político” foi ampliada para incluir atos preparatórios, discursos, cartas e simples vínculos ideológicos.

A repressão não se limitou aos envolvidos diretos nos levantes armados. Civis, intelectuais e autoridades administrativas foram enquadrados, criando um clima de vigilância permanente. O Direito, nesse contexto, funcionou como instrumento de legitimação do autoritarismo, preparando o terreno para o golpe do Estado Novo em novembro de 1937.

2. Era Lula (2023): democracia sob ataque em um Estado constitucional

Os atos de 8 de janeiro de 2023 ocorreram em um cenário radicalmente distinto. O Brasil operava sob a Constituição de 1988, com eleições reconhecidas, imprensa livre e Judiciário independente. Ainda assim, grupos inconformados com o resultado eleitoral promoveram ataques às sedes dos Três Poderes, questionando simbolicamente a legitimidade do sistema democrático.

Diferentemente de 1935, não houve levante armado nem comando militar formal. A mobilização foi majoritariamente civil, marcada por desinformação, discursos antissistêmicos e violência patrimonial. A resposta do Estado ocorreu dentro da legalidade constitucional, com base no Código Penal e na Lei nº 14.197/2021 (Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito).

O Supremo Tribunal Federal assumiu protagonismo, conduzindo investigações e julgamentos com contraditório, ampla defesa e publicidade dos atos. Ainda que controversas para parte da opinião pública, as decisões foram tomadas no interior do Estado Democrático de Direito, e não à margem dele.

3. Semelhanças que provocam reflexão

Apesar das diferenças ideológicas e institucionais, algumas semelhanças merecem atenção:

* Ambos os episódios foram interpretados como ameaças à ordem democrática;

* Em ambos os casos, o Estado reagiu de forma dura, buscando reafirmar autoridade;

* A ideia do “inimigo interno” reaparece como elemento mobilizador do discurso político;

* A sociedade se divide entre os que veem as ações do Estado como defesa da democracia e os que as percebem como excesso de poder.

Essas semelhanças explicam por que analogias históricas surgem com tanta força no debate público.

4. Diferenças que a História exige respeitar

As diferenças, contudo, são estruturais e decisivas:

1935–1937: repressão preventiva, Judiciário de exceção, supressão de garantias, caminho para ditadura.

2023: repressão posterior, Judiciário constitucional, garantias processuais preservadas, defesa do regime democrático.

Enquanto na Era Vargas o Direito foi utilizado para concentrar poder, na Era Lula ele é acionado para preservar o pacto constitucional, ainda que sob tensão e críticas.

Considerações finais

Comparar a Era Vargas e a Era Lula não é equiparar projetos políticos, ideologias ou líderes. É, antes, um exercício de consciência histórica. A democracia brasileira foi atacada em momentos distintos e por razões diferentes, e a forma como o Estado respondeu revela o grau de maturidade institucional alcançado ao longo do tempo.

A História ensina que o verdadeiro risco não está apenas nos ataques à ordem, mas na maneira como o poder reage a eles. Entre 1935 e 2023, o Brasil mudou e muito. Reconhecer essas mudanças é essencial para que a democracia não se transforme, novamente, em sua própria vítima.

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Ademir Pfiffer

Historiador e criador de conteúdo digital para as plataformas do Kwai, Tik Tok e You Tube. Dedicado à pesquisas sobre memória e patrimônio histórico-cultural em comunidades tradicionais

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