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Coluna: O homem da montanha

A barba comprida e grisalha, as roupas surradas, a despreocupação com a higiene pessoal, a aparência desleixada e a expressão carrancuda eram características que já denunciavam a personalidade de João Bonamigo. Ironicamente, apesar do sobrenome, era um homem que não cultivava amizades.

23/01/2020

Por Sônia Pillon

A barba comprida e grisalha, as roupas surradas, a despreocupação com a higiene pessoal, a aparência desleixada e a expressão carrancuda eram características que já denunciavam a personalidade de João Bonamigo. Ironicamente, apesar do sobrenome, era um homem que não cultivava amizades. Era por demais desconfiado e não confiava em ninguém. Por isso, se mantinha sempre à espreita. Temia que ladrões quisessem invadir a propriedade, herança de família, do tempo em que seus ancestrais chegaram para se estabelecer no lugar, criar gado e plantar. Como era de se esperar, gostava mais de animais do que de gente.

O velho homem da montanha beirava os 65 anos. Porém, por causa da notória falta de vaidade e do modo de vida rústico, tinha sulcos profundos na face e aparentava bem mais. Sim, tinha uma aparência assustadora!

João raramente descia para a “civilização”, a não ser para comercializar frutas, legumes e o queijo que produzia. À sua chegada, causava estranheza nas pessoas, especialmente entre as crianças, que arregalavam os olhos e se agarravam nas saias das mães. Ele sabia que causava medo e parecia gostar disso.

Quando sentia a aproximação de desconhecidos, nos limites de suas terras, atirava para o alto. Não por acaso, era chamado de “Jack Espingarda” pelos moradores da localidade. Morava em um rancho de madeira, nos fundos da extensa propriedade, rodeado de cães mal-encarados e raivosos. Lembrava um daqueles personagens lendários, com o Abominável Homem das Neves.

Pouco se sabia sobre ele, a não ser que tinha mais quatro irmãos que moravam em outro estado e nunca o visitavam. O pai havia morrido de enfarte quando tinha oito anos. “Jack Espingarda” era o filho caçula, muito apegado à mãe, uma mulher devota de Nossa Senhora Aparecida que mantinha uma capela nos fundos da casa. Quando a mãe dele morreu de câncer, dizem que ele apareceu no enterro de óculos escuros e a partir daquela data se refugiou ainda mais no isolamento. Muitos o achavam um ser bizarro, riam dele pelas costas, enquanto outros se perguntavam se ele não sentia solidão.

Um homem certa vez confidenciou no Bar do Gregório que Jack Espingarda era virgem e que nunca havia se envolvido com nenhuma mulher. Disse que chegaram a levá-lo para um cabaré bastante frequentado na região, mas ele fugiu assustado e nunca mais apareceu por aquelas bandas.

– Mas e então, o que aconteceu com esse homem? Ainda está vivo?, perguntou o jovem Alexandre, sem esconder a curiosidade.

– Não, meu filho, ele morreu há uns cinco anos, numa noite de forte tempestade… Na manhã seguinte ao temporal, os sete cães da propriedade uivavam insistentemente, chamando a atenção de um vizinho que passava próximo à cerca de Jack Espingarda. Os uivos eram de arrepiar e o homem achou melhor avisar a Polícia para conferir o que havia acontecido. Jack foi encontrado caído junto à mesa da cozinha. Os exames confirmaram que tinha sido um enfarte fulminante. Morreu só, como sempre se manteve em vida.

Por

Sônia Pillon é jornalista e escritora, formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto e Gramática pela Univille. Integra a AJEB Santa Catarina. Fundadora da ALBSC Jaraguá do Sul.

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