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Coluna: Um conto em preto e branco

Eu assistia toda a cena da janela do quarto, espiando pelo canto da cortina e com o coração aos pulos. A luz estava apagada e isso me protegia do fugitivo.

11/10/2020

Por Sônia Pillon

Passava da meia-noite e me preparava para dormir. A Rua dos Cinamomos estava vazia naquele fatídico sábado, em janeiro de 1948. Apenas um Hudson vermelho permanecia estacionado no fim da via, iluminada parcialmente por um único poste. Um homem alto e magro, vestindo um elegante terno cinza-chumbo e chapéu preto, caminhava apressadamente, olhando sorrateiramente para os lados.. O silêncio noturno foi rompido pelo calçado de couro preto no chão de pedra. A sirene da Polícia começou a ser ouvida ao longe, o que fez o homem se virar para trás, assustado, e começar a correr.

Eu assistia toda a cena da janela do quarto, espiando pelo canto da cortina e com o coração aos pulos. A luz estava apagada e isso me protegia do fugitivo, que  se escondeu atrás de uma árvore. A rua estava escura e o rosto dele estava em parte sombreado pelo chapéu, mas deduzo que o homem tinha pouco mais de 30 anos.

A sirene se aproximou e o camburão policial entrou na rua. Os policiais olharam rapidamente e, não encontrando ninguém, continuaram a ronda pelas ruas centrais.

E quando o som da sirene deixou de ser audível, o homem misterioso saiu lentamente do esconderijo, em meio à penumbra. Foi então que ele olhou mais atentamente para os detalhes da rua e mirou a minha janela. Tremi.

– E se ele desconfiar que o espiei o tempo todo?, pensei, apavorada. Mas foi só um instante. Depois vi bem quando ele puxou cuidadosamente um objeto embrulhado em um pano branco, que parecia um lenço. Pelo tamanho, deduzi que possivelmente era um revólver. Vi quando ele se abaixou, levantou a tampa da boca-de-lobo e jogou o objeto lá no fundo.

De repente, uma surpresa. Sempre olhando para todos os lados, o homem se dirigiu ao carro vermelho. Ouço o ronco do motor. Ficou claro que o homem do carro vermelho estava escondido, aguardando o sinal para a fuga. Acompanho o trajeto do veículo com os olhos até sumir de vista.

No dia seguinte, ligo o rádio e fico sabendo que uma dançarina havia sido assassinada com sete tiros em frente ao Cabaret Palace, não muito distante dali. O suspeito era um homem magro e alto, que ninguém sabia o nome e fugiu com a arma do crime, sem deixar pistas. “Ao que tudo indica, foi um crime premeditado”, declarou o delegado ao repórter da emissora. Pouco tempo depois, me mudei daquela rua. Nunca mais tive notícias do fugitivo, nem vi mais aquele Hudson vermelho.

Por

Sônia Pillon é jornalista e escritora, formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto e Gramática pela Univille. Integra a AJEB Santa Catarina. Fundadora da ALBSC Jaraguá do Sul.

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