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Coluna: As folhas do tempo

Naquela tarde, dava para ouvir os ventos uivando, sacudindo e arremessando as folhas. Ao ver o chão coberto pelas folhas secas, pensou nos ciclos da vida, e que o tempo de cada um é incerto.

08/11/2020

Por

Sônia Pillon é jornalista e escritora, formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto e Gramática pela Univille. Integra a AJEB Santa Catarina. Fundadora da ALBSC Jaraguá do Sul.

CONTO

Por Sônia Pillon

Era final de tarde no distrito de Águas Límpidas, naquele longínquo outono de 1957. Sentada na cadeira de rodas de frente para a Estrada Geral, minha tia avó Juliete observava a fascinante manifestação da natureza, com suas cores e aromas peculiares. A matriarca, que se mantinha na varanda, buscava alegrar o coração admirando as árvores e as flores do jardim que ela mesmo havia plantado e que, por muitos anos, só recebia os cuidados dela. Adorava sentir o cheiro da terra. Foram décadas de zelo e amor pelas plantas. Harmoniosamente, os cinamomos, palmeiras e os chorões dividiam o espaço com a grama verdinha e os canteiros floridos, que abrigavam roseiras, margaridas, crisântemos, copos-de-leite, hortênsias, aves-do-paraíso, lírios-da-paz, begônias…

Abraçadas aos cinamomos, as orquídeas “Olho-de-boneca” e “Laelia purpurata” sempre chamavam a atenção de quem passava pela rua. Muitos faziam questão de descer dos carros para conferir de perto. Queriam comprar flores e mudas, mas ela nunca aceitou. A fama do “jardim da dona Juliete” se espalhou pela cidade e chamou a atenção do jornal local, tornando o lugar um ponto turístico obrigatório para os visitantes.

Ela costumava não somente regar, podar e retirar as ervas daninhas, mas também às vezes se via falando e confidenciando com elas, como se fossem amigas. Especialmente nos momentos de angústia e dor, era no jardim que buscava refúgio e reencontrava a paz. Da terra tirava a força para seguir em frente.

Mas foi naquele melancólico fim de tarde, com o sol prestes a se despedir, que a veterana tia avó se ateve na ventania, mas dessa vez de uma forma diferente. Acompanhou a intensidade dos ventos pelo treme-treme das palmeiras. Os caules das palmeiras envergavam de um lado e de outro, em uma espécie de dança frenética. Dava para ouvir os ventos uivando, sacudindo e arremessando as folhas.
Ao ver o chão coberto pelas folhas secas, pensou nos ciclos da vida. Disse que o tempo de cada um é incerto. Foi então que ela desabafou comigo, com tristeza no olhar.

– Quantas vezes foquei no futuro sem prestar a atenção no momento presente? Quantas vezes remoí mágoas do passado que me impediram de aproveitar e valorizar as oportunidades que a vida me oferecia? Foram tantas as vezes em que deixei a insegurança e o orgulho falarem mais alto… Cada dia vivido foi um dia a menos na jornada…

Por fim, me disse palavras que me marcaram para sempre. – Nunca se deve esquecer de viver o hoje, porque o tempo não para e não volta, como essa folha caída que um dia foi verde”.

Tudo isso minha tia avó me disse naquele dia, olhando no fundo dos meus olhos. Foi a maior lição que ela deixou para mim.

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