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Conhecimentos tradicionais e práticas na área da saúde: A contribuição dos colonizadores germânicos para a saúde de Jaraguá do Sul

Saúde de Jaraguá do Sul e a contribuição dos colonizadores germânicos segundo “A Saúde em Jaraguá do Sul, Memória e História: Os 80 Anos do Hospital São José”

08/11/2024

A medicina popular, com suas raízes nas tradições e conhecimentos ancestrais, sempre coexistiu com a medicina oficial. Em Jaraguá do Sul, a chegada dos imigrantes e colonizadores germânicos enriqueceu ainda mais esse cenário, trazendo consigo práticas e saberes que se somavam aos conhecimentos já existentes na comunidade. Este trabalho analisa a diversidade dessas práticas e seu impacto na saúde da população.

 

Um recorte de estudo, baseado na Hemeroteca de Santa Catarina e no livro “A Saúde em Jaraguá do Sul, Memória e História: Os 80 Anos do Hospital São José”, de autoria de Silvia Regina Toassi Kita, Olga Piazera Majcher e Joana D’Are de Alvarenga, narra as trajetórias de cidadãos de origem germânica, que dedicaram suas vidas ao atendimento da comunidade local, especialmente a partir do final do século XIX. Através de ações de prevenção, tratamento e promoção da saúde, esses indivíduos contribuíram significativamente para o bem-estar da população de Jaraguá do Sul.

 

Saúde

 

O objetivo deste estudo é investigar a participação ativa dos povos de língua alemã no provimento de cuidados de saúde básicos e elementares em diferentes regiões de Jaraguá/Jaraguá do Sul, ao longo de um período que se estende do final do século XIX até os anos 1950.

 

Georg Wolf Sênior, um donauschwaben húngaro, exercia a função de massagista, ortopedista e parteira em Jaraguazinho e Jaraguá Alto. Seus conhecimentos tradicionais foram transmitidos de geração em geração, sendo herdados por sua filha Maria Wolf e, posteriormente, por sua neta Etelka Gascho. Após se casar e mudar para Joinville, Etelka continuou a exercer a profissão de enfermeira.

 

No território de Francisco de Paulo, Apolônia Stahlin Junkes desempenhava um papel fundamental na comunidade, atuando como benzedeira e massagista. Em Jaraguá, outras mulheres também se destacaram na área da saúde. Ana Knopka, por exemplo, exerceu a função de parteira entre 1921 e 1927, auxiliando no nascimento de diversas crianças. Já Frau E. Hagemeister atuou como enfermeira a partir de 1927, contando com a autorização da Diretoria de Higiene para exercer a profissão.

 

Bertha Bayer Wischral, esposa de Rudolpho Wischral, proprietário de um salão de baile, atuou como parteira entre 1931 e 1932. O casal, residente em uma área próxima à vila dos ferroviários, na divisa entre Jaraguá e o então distrito de Bananal (atual Guaramirim), compartilhava essa atividade com a nora, Geny Gartz Wischral, conforme relato de Daniel Wischral.

 

Entre os anos de 1932 e 1933, Dra. Liechen Prochnow, descendente de pomeranos, exerceu a função de parteira. Apesar de sua relevância para a comunidade, não foram encontrados registros precisos sobre a região em que atendia. Por outro lado, Tecla Grossklags iniciou suas atividades como parteira em 24 de janeiro de 1939, estabelecendo seu consultório no centro de Jaraguá, próximo à ponte metálica Abdon Batista, na atual Rua Jacob Buck. Em sua residência, disponibilizava quartos para atender suas clientes.

 

Alice Richter, esposa do médico Dr. Godofredo Lutz Luce, iniciou suas atividades como enfermeira em 1933, prestando serviços à comunidade jaraguaense por 32 anos. Carinhosamente chamada de Schwester Alice pela comunidade teuto-brasileira, ela atendia em sua residência, situada no centro da cidade, na subida da Rua Expedicionário Gumercindo da Silva, próxima à propriedade de Leopoldo Janssen. Em sua casa, disponibilizava quartos para atender suas pacientes.

 

Desde 1950, Emma Grützmacker Dallmann, mais conhecida como Frau Dallmann, exercia a função de parteira em Rio Cerro II. Organizada e comprometida com a saúde da comunidade, mantinha um cadastro atualizado junto à Diretoria de Higiene. Centenas de crianças vieram ao mundo graças ao seu trabalho. Em reconhecimento à sua dedicação, um Centro Municipal de Educação Infantil (CEMI) em Rio Cerro II leva seu nome.

 

Na propriedade rural da Barra do Ribeirão Molha, atualmente conhecida como Curtume Schmitt, Paulo Kraemer, um pomerano de nacionalidade alemã com profundos conhecimentos em botânica e farmacologia, dedicava-se à preparação de remédios a partir de 1891. Seus conhecimentos o tornaram uma referência para a população local, que buscava seus cuidados em momentos de enfermidade.

 

No ano de 1907, o senhor Jorge Ludovico Horst deu início às atividades da Farmácia Estrela, estabelecimento farmacêutico conhecido como Stern Apotheke pela comunidade teuto-brasileira. Localizada na antiga Estrada Nova, hoje Rua Presidente Epitácio Pessoa, a farmácia estava situada em um imóvel adquirido de Domingos Rodrigues da Nova, no coração do distrito de Jaraguá. Entre os colaboradores da farmácia, destaca-se Ricardo Grünwald, um jovem que, além de auxiliar nas atividades farmacêuticas, era um ativo militante político, ligado à Ação Integralista Brasileira (AIB).

 

Após o falecimento de Jorge Ludovico Horst em 1934, a Farmácia Estrela teve suas atividades interrompidas. Entretanto, em 1937, Ricardo Grünwald, um dos antigos colaboradores, reabriu o estabelecimento em um novo endereço, na Rua Independência (atual Avenida Getúlio Vargas). A gestão de Grünwald à frente da farmácia perdurou até 1940, quando o ponto comercial foi transferido para a propriedade de Karan & Souza.

 

É relevante ressaltar que a tradição farmacêutica da família Horst se perpetuou com a nova geração. Em 1923, Roberto Mauricio Horst, filho de Georg Horst, seguindo os passos do pai, estabeleceu a Farmácia Nova nas dependências da Casa Emmendoerfer (César Pereira de Souza), o seu estabelecimento comercial com a denominação de Farmácia Nova.

 

A Farmácia Nova, estabelecimento farmacêutico fundado em fevereiro de 1916 pelo imigrante austríaco e naturalista Oscar Hromatka, na então Estrada Geral (atual Rua Floriano Peixoto), teve sua propriedade transferida para Roberto Mauricio Horst em 1923. Casado com a filha do farmacêutico Hugo Delitsch, de Joinville, Oscar Hromatka era uma figura multifacetada em Jaraguá, exercendo, além das atividades farmacêuticas, a função de subdelegado de polícia.

 

Em um trágico acontecimento ocorrido por volta de 1920, durante uma visita ao território do Ribeirão Molha em companhia de Curt Vasel e Severino Pedri, Oscar Hromatka foi vítima de um assassinato. A perda trágica do proprietário culminou no leilão de seus bens, incluindo a Farmácia Nova. O estabelecimento foi adquirido por Roberto Maurício Horst em 1921, conforme atesta documento expedido pela Diretoria de Higiene Pública de Santa Catarina.

 

A Farmácia Central de Gonçalves, fundada por José Gonçalves em 1921, teve sua propriedade transferida para Eduardo Gonçalves & Cia, em 1923. No mesmo ano, Carlos Hafermann adquiriu o estabelecimento, mantendo Eduardo Gonçalves como responsável técnico pelas atividades farmacêuticas. Ao longo de sua história, a farmácia esteve localizada em pontos estratégicos da cidade, inicialmente na Rua Epitácio Pessoa e, posteriormente, na Rua Expedicionário Gumercindo da Silva.

 

Além dos estabelecimentos já mencionados, a primeira metade do século XX testemunhou o surgimento de outras farmácias na região. Entre elas, destacam-se Costa & Burh, fundada em 1934; Alberto Wachholz, inaugurada em 1940 em Rio Cerro; Norberto Rauch, estabelecida em 1945 em Retorcida/Nereu Ramos; e, por fim, as farmácias de Schulz Irmãos, Carlos Müller Filho e Helmuth Ilg/Olavo Cardoso, todas inauguradas em 1946.

 

A trajetória dos colonizadores germânicos em Jaraguá do Sul, marcada pela dedicação à comunidade e pela valorização dos conhecimentos tradicionais, moldou significativamente a história da saúde local. Através de práticas como a parteirice, a enfermagem e a farmácia, esses indivíduos contribuíram para a construção de um sistema de saúde que atendia às necessidades da população, muitas vezes em condições adversas.

 

O estudo revela a importância da medicina popular e dos conhecimentos tradicionais na história da saúde. As práticas dos colonizadores germânicos, embora muitas vezes vistas como complementares ou alternativas à medicina oficial, desempenharam um papel fundamental na assistência à saúde, especialmente em regiões mais afastadas dos centros urbanos. A transmissão desses conhecimentos de geração em geração garantiu a continuidade dos cuidados e a preservação da cultura local.

 

A figura da mulher se destaca como protagonista nesse processo. Parteiras e enfermeiras as mulheres germânicas desempenharam um papel central na assistência à saúde, oferecendo cuidados e apoio às famílias. Sua dedicação e conhecimento foram essenciais para garantir a sobrevivência e o bem-estar da comunidade.

 

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Por

Historiador e criador de conteúdo digital para as plataformas do Kwai, Tik Tok e You Tube. Dedicado à pesquisas sobre memória e patrimônio histórico-cultural em comunidades tradicionais

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