Quem é o intérprete de Libras de Jaraguá do Sul que conquistou Charli XCX e Ludmilla nos palcos?
O intérprete de Libras que transformou o Lollapalooza em um palco de inclusão. Uma história emocionante que começa em Jaraguá do Sul.
Intérprete jaraguaense brilha com Ludmilla, Charli XCX e Marina Sena nos palcos do Brasil
Fernando Zimdars Castellari, 29 anos, não entrou na história da inclusão por acaso, ele a escreveu com as próprias mãos, literalmente. Nascido no Mato Grosso do Sul, ele se mudou aos 5 anos para Jaraguá do Sul.
Hoje ele é hoje um dos intérpretes de Libras (Língua Brasileira de Sinais) mais reconhecidos do país. Seu nome circula entre os palcos dos maiores festivais de música do Brasil, entre matérias de portais nacionais e também entre os grupos da comunidade surda que o admiram e o reconhecem como agente de transformação.
Mas sua trajetória não começa nos holofotes, começa com empatia e inquietação ainda na adolescência.

O incômodo que virou vocação, o despertar para a inclusão
Foi no ensino fundamental que Fernando teve seu primeiro contato direto com as barreiras da acessibilidade. Uma colega surda dividia a sala com ele, mas poucos eram capazes sequer de cumprimentá-la em Libras. Para qualquer comunicação mínima, era preciso um intérprete externo.
Essa dependência o incomodou profundamente, “que bom seria se todos da sala soubessem se comunicar com ela”, pensou. Essa percepção o marcou, e acendeu a faísca de um futuro que ele ainda não sabia o quão grande seria.
Essa inquietação foi o estopim para mergulhar no estudo da Libras, dedicando-se de forma contínua à formação profissional. Licenciou-se em Pedagogia, formou-se bacharel em Letras–Libras e concluiu uma pós-graduação com foco em inclusão escolar.
Conteúdos em alta
Fernando investiu em 10 anos de formações e vivência real, tornando-se uma das referências mais sólidas da área. Desde cedo, professores perceberam seu talento, e diziam sempre que ele tinha facilidade com os dedos.

Inclusão que começa no dia a dia, do provador ao palco
Antes de subir aos palcos, Fernando já exercia a inclusão no chão da vida real. Trabalhando em uma loja de roupas masculinas em Jaraguá, ele atendeu um cliente surdo usando Libras, a experiência foi tão bem-sucedida que esse cliente passou a recomendar o local a outros surdos.
Logo, uma pequena comunidade passou a frequentar a loja, e a dona não só reconheceu o valor disso como passou a incentivar Fernando a se especializar ainda mais.
Essa vivência mostrou que acessibilidade não é algo reservado a leis e eventos, ela começa na prática e no desejo de entender o outro.

Na educação e na comunidade, professor, tradutor e elo entre mundos
Com formação sólida, Fernando logo ampliou seu campo de atuação. Tornou-se professor bilíngue em uma escola pública de Schroeder, e passou a participar também remotamente em cursos da Uniasselvi. Lá, atua diretamente com alunos surdos, mediando conteúdos escolares com fluência e sensibilidade.
Mas Fernando não se limitou às salas de aula. Passou a frequentar os encontros da Associação dos Surdos de Jaraguá do Sul (ASJS), aproximando-se de forma genuína da comunidade. Em pouco tempo, foi eleito tesoureiro da entidade. Essa imersão permitiu não só um aprendizado técnico, mas principalmente uma integração social real, algo que, segundo ele, nenhum curso pode substituir.

Eventos, cultura e empresas, a Libras ocupando todos os espaços
O trabalho de Fernando também é presença constante em eventos culturais da região. Ele já atuou como intérprete em edições do Jaraguá em Dança, do Femusc (Festival de Música de Santa Catarina) e da tradicional Schützenfest, onde traduziu ao vivo o show da banda Pedra no Rim, em uma noite marcada pela inclusão.
Além disso, presta serviços para empresas, traduzindo treinamentos e palestras para funcionários surdos. Em cada um desses espaços, ele reforça a ideia de que inclusão de verdade é aquela que acontece em todos os ambientes, não só nos oficiais.

Do Instagram para o Primavera Sound, o chamado que viralizou
A presença de Fernando nas redes sociais, especialmente no Instagram, foi decisiva para um novo salto em sua trajetória. Mantendo um perfil profissional com vídeos, dicas e registros do seu trabalho, ele foi descoberto pela equipe do Primavera Sound São Paulo 2022, que o convidou para integrar a equipe de intérpretes do festival.
O momento de virada veio durante o show de Charli XCX. Um vídeo de Fernando traduzindo as músicas agitadas da artista foi publicado por um espectador no Twitter. O conteúdo viralizou em pouco tempo, atingindo fãs ao redor do mundo, e a própria Charli compartilhou o vídeo em seu Instagram.

A repercussão foi massiva. Agências de comunicação exaltaram sua energia, o público reagiu com entusiasmo e ele recebeu uma onda de mensagens de apoio, especialmente da comunidade surda. “Esse carinho… não tem como se expressar”, relembra.
O sucesso no Primavera Sound rendeu um novo convite, o Lollapalooza Brasil 2023, no Autódromo de Interlagos. Durante os três dias do festival, Fernando apareceu nos telões dos palcos traduzindo músicas e falas ao vivo.

Seu momento mais viral veio com Ludmilla, quando a cantora incluiu no setlist a música “Chupa X*x*ta”, um funk com teor sexual explícito. Fernando traduziu tudo com naturalidade, técnica e um toque descontraído.
O vídeo da cena ultrapassou meio milhão de visualizações, e seu tuíte brincando com a situação (“Confesso que foi um desafio interpretar Chupa X*x*ta”) virou piada interna da internet. Portais como Metrópoles e RIC Mais repercutiram o caso, que foi tratado com leveza, mas também com reconhecimento pela coragem e profissionalismo do intérprete.

“Muita gente me abraçou, me agradeceu, e disse: ‘agora me senti incluído de verdade’. Isso me tocou de um jeito diferente. A energia da plateia era surreal, me senti fazendo parte daquilo. Não era só uma tradução, era conexão pura.”
O intérprete que virou referência e inspiração
Após o Lollapalooza, Fernando passou a receber convites constantes para novos eventos e projetos. Seu nome tornou-se sinônimo de tradução artística de qualidade. Ele revelou, inclusive, que em breve realizaria o sonho de interpretar o show de uma cantora internacional da qual é fã.
E reafirmou seu propósito, tornar a Libras parte permanente dos palcos do Brasil, não como um extra, mas como regra.
Além dos palcos, a Libras como língua viva e identidade
Fernando enxerga a Libras como uma língua viva, cheia de gírias, expressões e energia. Para ele, a evolução é bem-vinda e reflete a realidade dos surdos hoje. Em entrevistas, diz que se sente tão confortável com Libras que, em momentos de nervosismo, prefere se expressar por sinais. “Às vezes, esqueço que sou ouvinte”, afirma.
“Não faço Libras para aparecer, faço para somar. E somar, às vezes, é saber sair de cena para que o outro brilhe. Intérprete bom não rouba o palco, ele ilumina quem deveria estar no centro. E é isso que quero seguir fazendo.”
Ele também defende que Libras seja ensinada nas escolas desde cedo. “Se meus colegas tivessem aprendido Libras, minha colega surda se sentiria mais integrada com o resto da turma”. E completa, “A verdadeira acessibilidade vem do coração, não da lei”.

Como isso impacta sua vida?
Fernando é uma prova viva de que acessibilidade não é favor, é um direito. Sua história, que começou com um incômodo silencioso no ensino médio, virou símbolo de uma causa nacional. Ele mostra que o talento de Jaraguá do Sul pode ganhar o Brasil sem abrir mão da essência. Ao traduzir músicas, discursos e sentimentos, Fernando não apenas comunica, ele conecta mundos, derruba muros e constrói pontes com as mãos.
Max Pires
Já criei blog, portal, startup… e agora voltei pro que mais gosto: contar histórias que fazem sentido pra quem vive aqui. Entre um café e um latido dos meus cachorros, tô sempre de olho no que importa pra nossa cidade.