Colunistas | 05/09/2025 | Atualizado em: 05/09/25 ás 15:40

Guaramirim: entre a fé, a memória e o despertar cultural

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Guaramirim: entre a fé, a memória e o despertar cultural

Guaramirim nos anos 1930 | Foto: Arquivo Histórico Municipal Pastor Wilhelm Lange

Guaramirim, nossa cidade catarinense, vive um momento de encruzilhada cultural. A recente oficialização do Senhor Bom Jesus como padroeiro municipal, mais do que um mero ato burocrático, acende uma chama de reflexão sobre quem somos, de onde viemos e o que queremos preservar para as gerações futuras. É um convite à introspecção, um chamado para que a alma da cidade se manifeste.

Historicamente, Guaramirim, como um rio que serpenteia por paisagens diversas, parece ter, em alguns trechos, deixado para trás pedaços de sua própria margem. O fechamento de antigas sociedades de tiro ao alvo, o silêncio sobre a ausência de um sistema robusto de defesa do patrimônio – seja ele material, imaterial, natural ou folclórico – são indícios de uma narrativa que, por vezes, negligenciou suas próprias raízes. Nesse cenário, a figura do Bom Jesus, um símbolo de fé e compaixão, emerge.

Poderia essa nova sacralização ser o catalisador para um reencontro de Guaramirim com suas identidades mais profundas? Seria a fé o elo que faltava para despertar o povo para a urgência de salvaguardar sua memória?

O olhar atento sobre o passado da Paróquia Bom Jesus, por exemplo, revela capítulos complexos. A decisão de ceder o terreno do antigo cemitério (centro) para a construção do Hospital Santo Antônio (1959) no século XX, ou a mais recente demolição da casa de passagem das freiras e do robusto salão de alvenaria de tijolos – espaços que pulsavam com a vida e a história da comunidade – ecoam como perguntas sem respostas. Como a diversidade de fés em Guaramirim – de Assembleias de Deus a Batistas, de Luteranos a Deus é Amor – irá absorver essa oficialização, considerando tais precedentes?

Para alguns, a fé em Bom Jesus é um farol que transcende tijolos e concreto, celebrando valores universais e a união em torno de um ideal cristão. Para esses, as transformações do passado foram, talvez, passos pragmáticos em direção ao progresso. Contudo, para outros, que veem na pedra e na tradição a materialização da alma de um povo, essa aprovação pode soar como uma dissonância.

Questiona-se: como uma instituição que, em sua trajetória, não priorizou a preservação de seu próprio legado físico, pode agora liderar um movimento de resgate identitário? E para as vozes não-católicas, a oficialização de um padroeiro pode ser tanto um gesto de reconhecimento à figura de Cristo quanto um lembrete sutil da predominância de uma tradição sobre outras.

É precisamente nessa tensão que reside a grande oportunidade. A comunidade católica de Guaramirim, através da Paróquia Bom Jesus, tem agora a chance de reescrever parte dessa história. De transformar o “mar revolto” do passado em um porto seguro para a memória coletiva. Como? Através de ações concretas: a criação de um Comitê de Patrimônio, que pode ser inter-religioso e interinstitucional, para catalogar e proteger bens materiais e imateriais.

A Paróquia pode se tornar um vibrante centro de educação patrimonial e histórica, com exposições que narrem a saga da igreja, do cemitério desativado, do salão de festas. Palestras com historiadores e arquitetos podem iluminar a importância da preservação.

Foto: Arquivo Histórico Municipal Pastor Wilhelm Lange (1955).

E as celebrações do padroeiro, especialmente a festa de agosto dedicada a Bom Jesus, podem transcender o religioso e abraçar o cultural. Que se tornem palcos para grupos folclóricos, feiras de artesanato local, e que convidem todas as denominações religiosas a celebrar a união em torno de valores que são, afinal, de todos. Projetos de restauração, mesmo que simbólicos, como um memorial para o antigo cemitério ou placas informativas em locais históricos, podem garantir que a memória não se perca no tempo.

No fundo, a escolha de Bom Jesus é um convite, um catalisador. O despertar de Guaramirim para suas identidades não é responsabilidade de uma única instituição, mas de cada cidadão, de cada voz, de cada gesto. Que esta reflexão nos inspire a tecer um futuro onde a fé, a história e o patrimônio caminhem de mãos dadas, fortalecendo os laços que nos unem e revelando a verdadeira riqueza cultural de Guaramirim.

O futuro se celebra no passado: 2026 e o legado que se constrói

À medida que nos aproximamos de 2026, ano em que Guaramirim celebrará seus 140 anos de fundação e 77 de emancipação política, a oportunidade de transformar reflexão em ação se torna ainda mais premente. Essas datas não são apenas marcos no calendário; são convites para que a administração pública, a Câmara de Vereadores e a comunidade em geral teçam, em conjunto, um legado cultural e identitário que ressoe por gerações.

Nesse contexto, a gestão do prefeito Adriano Zimmermann e dos 11 vereadores assume um papel de protagonismo. Seus sentimentos de pertencimento à história do município, somados às suas respectivas denominações religiosas, podem ser a força motriz para ações efetivas.

A fé, que para muitos é um pilar, pode se traduzir em um compromisso ético com a preservação e a valorização do patrimônio. Independentemente da igreja que frequentem, o elo comum do cristianismo – ou de qualquer outra crença que preze pela comunidade e pelo respeito à história – pode e deve inspirar uma governança que enxergue a cultura e a identidade como bens inestimáveis.

As celebrações de 2026 não podem ser meros festejos. Devem ser um palco para a materialização de um sistema público de defesa do patrimônio, para a revitalização de tradições esquecidas e para o incentivo a novas manifestações culturais. Que a administração municipal, em diálogo com a Câmara de Vereadores, estabeleça políticas claras de salvaguarda, invista em projetos de educação patrimonial e promova a inclusão de todas as vozes e histórias que compõem o mosaico guaramirinense. Que o legado de Adriano Zimmermann e de seus vereadores seja marcado não apenas por obras físicas, mas por uma profunda e duradoura reconexão de Guaramirim com sua alma, onde a fé e a história se entrelaçam para construir um futuro mais consciente e enraizado.

Que 2026 seja o ano em que Guaramirim, de fato, desperte para a riqueza de sua própria identidade, transformando o passado em alicerce para um futuro vibrante e culturalmente rico.

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Ademir Pfiffer

Historiador e criador de conteúdo digital para as plataformas do Kwai, Tik Tok e You Tube. Dedicado à pesquisas sobre memória e patrimônio histórico-cultural em comunidades tradicionais

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