A história do torcedor que salvou o Jaraguá Futsal da falência e ajudou a torná-lo o maior campeão do Brasil
Foto: Paulinho Sauer
Quando Marcio Hafemann assumiu a presidência do Jaraguá Futsal em 2017, a palavra mais ouvida nos bastidores do clube era “fim”. Afundado em mais de R$ 2 milhões em dívidas, sem credibilidade no mercado e com a vaga na Liga Nacional de Futsal (LNF) penhorada, o outrora gigante do futsal brasileiro estava à beira do colapso.
Mas, em vez de fechar as portas, o Jaraguá iniciou ali um dos processos de reestruturação mais notáveis do esporte nacional. E isso se deve à coragem deste torcedor que decidiu não deixar seu clube do coração morrer.
“Não era exagero dizer que o projeto podia acabar. Mas o que falou mais alto foi a responsabilidade com a história do clube, com a cidade e com a nossa torcida”, lembra Marcio.
E assim, do fundo do poço à glória, começava a jornada que levou o aurinegro a ser campeão da LNF em 2024 e repetir o feito em 2025, tornando-se o maior vencedor da história da competição, com seis títulos.

Atravessando o deserto financeiro
Para entender a gravidade da situação em 2017, é preciso voltar um pouco no tempo. O fim da histórica parceria com o Grupo Malwee, anunciado em 2010, encerrou um dos ciclos mais vitoriosos do futsal mundial.
Com quatro títulos da Liga Nacional, seis Taças Brasil, seis Libertadores e outras tantas conquistas, o Jaraguá reinou absoluto nos anos 2000. Mas, com a saída da Malwee, tudo mudou.
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Em 2011, o clube sequer participou da Liga Nacional de Futsal e passou a disputar apenas campeonatos menores, com baixo investimento e visibilidade reduzida. Nos anos que se seguiram, o Jaraguá sobreviveu como pôde, mantendo viva sua tradição quase que exclusivamente pela paixão local. Mas uma crise financeira se agravou, minando a confiança do mercado.
Os primeiros meses da nova gestão, em 2017, foram marcados por muito tabalho no clube. Sem receita suficiente para manter a estrutura, o Jaraguá Futsal viu-se obrigado a cortar gastos, renegociar contratos e lidar com um passivo acumulado por anos. Marcio e sua equipe precisaram reconstruir a confiança das pessoas ao redor do clube, desde fornecedores locais até antigos atletas com salários em atraso.
Ao assumir, uma das primeiras tarefas foi dialogar com ex-jogadores para parcelar os valores devidos, muitos dos quais aceitaram receber aos poucos por acreditar na proposta de retomada. Em paralelo, a diretoria recomeçou do zero os contatos com patrocinadores.
“Recuperar a imagem do clube levou tempo. A cada reunião, nosso discurso era o mesmo: seremos transparentes, vamos honrar a palavra, mesmo que devagar”, conta Marcio.
E pouco a pouco, o Jaraguá foi recuperando algo que parecia perdido: a credibilidade.
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“Ninguém reconstrói um grande projeto sozinho”
Embora Marcio fosse o rosto visível da nova gestão, ele sempre fez questão de reforçar o papel coletivo da retomada. “Nenhum projeto sobrevive isolado. Tivemos ao nosso lado pessoas que acreditaram, mesmo sem retorno imediato, mesmo sem garantias.”
A diretoria formada entre 2017 e 2021 foi essencial na organização administrativa e nas negociações de bastidores.

Nomes como Francis Fachini, Joel Borsati (Espeto), Valdonei Krutchz, Alysson Michel, Adriano Da Cunha e Marco Paes aparecem com destaque nessa caminhada, além de muitos outros que Marcio faz questão de guardar com carinho no coração e na história do clube.
Fora das quatro linhas, Marcio também destaca o apoio da família para que seguisse firme com essa luta. “Minha esposa segurou as pontas em casa enquanto eu estava mergulhado no clube. E meu filho Arthur, com sua inocência, me lembrava por que eu estava fazendo tudo aquilo.”

De torcedor a gestor do time do coração
A conexão de Marcio com o Jaraguá Futsal não começou na gestão, mas na arquibancada. Torcedor declarado desde os tempos da lendária Malwee, ele presenciou in loco as conquistas nacionais e internacionais do clube na década de 2000.
“Eu vibrava com cada gol, cada taça. Estar ali, liderando o clube no momento mais crítico, foi como ver a minha própria história ser testada.”

Por isso a transição de torcedor para dirigente trouxe uma carga emocional intensa. Ele não apenas geria um clube; geria um pedaço da sua identidade.
“Foi uma missão pessoal. Cada decisão era tomada com o peso da memória afetiva que tenho pelo Jaraguá. Isso aumenta a pressão, mas também fortalece o compromisso.”
O reencontro com a torcida
A Arena Jaraguá sempre foi um dos maiores símbolos da paixão da cidade pelo futsal, e o reencontro entre time e torcida começou a acontecer aos poucos, mesmo antes dos títulos. Para isso, a relação entre direção e arquibancada foi marcada por transparência e sinceridade.
“Quando a Arena voltou a encher, mesmo sem títulos imediatos, eu entendi que o torcedor não estava ali apenas pelo resultado, mas pelo projeto, pela verdade e pelo amor ao clube. Hoje, termos a maior média de público da LNF é a maior prova disso”, resume Marcio.
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A retomada da confiança se refletiu na adesão ao programa sócio-torcedor e, principalmente, na volta da Barra Independente como protagonista nas arquibancadas.

Fundada em 2006, a organizada não apenas voltou a ocupar seu espaço no ginásio, como passou a ser peça ativa no projeto de reconstrução: organizando campanhas, caravanas e criando o ambiente vibrante que hoje é marca do Jaraguá Futsal.
Para Giovani Leoni, o Gigio, presidente da torcida, esse reencontro vai além do que se vê dentro de quadra:
“Para nós é um casamento perfeito, onde o time e a torcida jogam juntos. Nos deixa muito orgulhosos poder ver o clube novamente no lugar de onde nunca deveria ter saído.”

Ele também destaca a relação especial com Marcio Hafemann, que fez o caminho da arquibancada à direção:
“Além de ser um amigo pessoal, ele é apaixonado por esse time como todos nós. Se não fosse a coragem e a determinação dele, esse projeto talvez nem existisse mais. Para a torcida, o Marcio é um ídolo – nos inspira a seguir apoiando incondicionalmente.”
E quando tenta explicar o que sustenta essa paixão, Gigio responde com sentimento:
“Isso é inexplicável. Como diz um de nossos cantos: ‘não pedimos nada em troca, está dentro do coração’. Essa paixão vem lá da época da Malwee, foi passada de pai pra filho, e só cresce.”

Estrutura atual e continuidade do projeto
Com a saída de Marcio da presidência, em 2021, o trabalho teve continuidade com Flávio Sartori, que comandou o clube até 2022, com base nos princípios construídos nos anos anteriores.
Na sequência, a presidência foi assumida por Wandair Garcia, que foi reeleito neste ano de 2025. Com uma visão estratégica e ousada, ele aprofundou o processo de profissionalização, ampliou o diálogo com investidores e fortaleceu o modelo de governança do clube.
“Hoje o Jaraguá tem uma gestão profissional, organizada e responsável, liderada pelo presidente Wandair José Garcia e toda nossa diretoria. Estamos colhendo os frutos desse trabalho conjunto”, destaca.

Fora da presidência, Marcio passou a atuar como diretor esportivo, sendo peça-chave na busca por reforços e na manutenção da identidade do clube.
“Minha função é ajudar na tomada de decisões estratégicas, manter o clube financeiramente saudável e alinhado com seus valores históricos. E, claro, buscar junto com a comissão técnica as melhores contratações do mercado.”
O aperfeiçoamento do modelo de gestão, implementado desde 2017, resultou em avanços concretos: dívidas reduzidas, credibilidade recuperada, projetos aprovados em leis de incentivo, categorias de base reativadas e aumento expressivo do público na Arena Jaraguá.

Esses pilares sustentaram as campanhas que culminaram na conquista do pentacampeonato nacional em 2024 e do hexacampeonato em 2025.
Com esses resultados, o Jaraguá Futsal superou a ACBF – de Carlos Barbosa (RS), que até então tinha o mesmo número de títulos (cinco) – e se sagrou como o maior campeão da história da Liga Nacional, reafirmando-se como uma das principais potências do futsal brasileiro.
Como isso impacta sua vida?
A história de Marcio Hafemann à frente do Jaraguá Futsal é um exemplo concreto de como responsabilidade, transparência e amor à camisa podem reconstruir não apenas um time, mas uma comunidade inteira. Em tempos de crise e desconfiança, é inspirador ver que ainda é possível vencer com honestidade. Para quem mora em Jaraguá do Sul, é mais do que um título: é um motivo de orgulho e identidade coletiva renovada.
Gabriela Bubniak
Jaraguaense de alma inquieta e jornalista apaixonada por contar boas histórias. Tenho fascínio por livros, música e viagens, mas o que me move é viver a energia de um bom futsal na Arena e explorar o que há de melhor na nossa terrinha.