JOA Vídeo Locadora: a história de um templo do cinema em Jaraguá do Sul
Foto: Acervo pessoal da família Amodio
Se você viveu os anos 90 e 2000 em Jaraguá do Sul, provavelmente tem uma lembrança bem viva: a de entrar em um salão amplo na Rua Epitácio Pessoa, percorrer corredores com estantes abarrotadas de filmes, segurar nas mãos uma caixa de VHS ou DVD, virar para alguém do lado e perguntar, “já viu esse?”.
Aquele lugar era mais que uma locadora. Era ponto de encontro, era programa de sexta à noite, era desculpa para sair de casa e pretexto para uma conversa. Era a JOA Vídeo Locadora, e sua história se confunde com a de toda uma geração jaraguaense.

A paixão de Jorge pelo cinema
O nome “JOA” era um acróstico das iniciais de Jorge Orlando Amodio, fundador da locadora e figura conhecida por sua paixão incontrolável por filmes. Ao lado da esposa, Soeli Antunes Amodio, e com o apoio da família, Jorge não só administrava o negócio: ele recomendava filmes, comentava lançamentos, cuidava do acervo com o zelo de um colecionador e fazia questão de transformar o ato de alugar um filme em uma experiência.

Primeira sede da JOA Vídeo Locadora exibia pôsteres no estilo cinema
A JOA iniciou suas atividades em 1º de abril de 1991 e manteve as portas abertas por 24 anos, encerrando sua trajetória em 31 de março de 2015. Durante todo esse período, permaneceu no mesmo endereço: Rua Presidente Epitácio Pessoa, 640/650, no Centro da cidade.
O espaço começou com apenas 28 m² e foi crescendo conforme o acervo aumentava e o movimento também. Em 1993 passou para 74 m², em 1995 saltou para 206 m², e a última expansão foi em 2002, quando a locadora alcançou 437 m². Além disso, contava com 11 vagas de estacionamento no subsolo (um luxo para os frequentadores fiéis).
Um acervo de respeito

No início, o acervo era modesto, e todo o faturamento era destinado à aquisição de novas fitas VHS e cartuchos de videogame. Jorge recorda que a primeira retirada financeira aconteceu 18 meses após a abertura – o equivalente a apenas 191 dólares, já que, em tempos de hiperinflação, ele fazia os cálculos sempre em moeda estrangeira.
Conteúdos em alta
Com o Plano Real, em 1994, a economia estabilizou, e o acervo cresceu vertiginosamente. A locadora chegou a abrigar 10 mil títulos em VHS, que com o tempo foram substituídos por 10 mil DVDs e 1.500 Blu-rays.

Além dos blockbusters, a JOA era conhecida por sua grande coleção de séries, filmes cult, clássicos e obras de idiomas não ingleses. Era um espaço onde o cinéfilo encontrava tesouros escondidos, e o curioso sempre descobria algo novo.
O ritual do fim de semana
Se hoje o streaming nos entrega tudo a um clique, naqueles tempos o processo de escolher um filme era quase cerimonial. Na sexta-feira à noite ou no sábado de manhã, famílias inteiras iam até a locadora. Havia quem discutisse no carro qual filme levar, quem brigava pelo controle da escolha e quem saía com quatro títulos para o fim de semana inteiro.
Jorge conta que era muito comum os clientes pedirem indicações. Como ele e a equipe assistiam a muitos filmes, conseguiam fazer recomendações certeiras, baseadas no gosto de cada um. Com o tempo, a locadora virou ponto de encontro: amigos marcavam ali para conversar, trocar dicas e passar tempo. O público era diversificado, mas predominavam famílias e casais.

O espaço era tocado por quatro membros da família e uma funcionária que permaneceu por muitos anos, deixando a empresa apenas quando se casou e mudou de cidade. Esse ambiente familiar fazia com que os clientes se sentissem em casa e criasse um vínculo afetivo com o lugar.
A JOA também teve seu papel social. Teve parcerias com o Instituto Educacional Jangada (hoje Colégio Alfa) e forneceu filmes para instituições que acolhiam jovens em situação de vulnerabilidade. Era mais uma forma de espalhar cultura e oferecer acesso ao entretenimento.
A despedida de uma era
Desde o início, Jorge tinha clareza de que a atividade de locação teria prazo de validade. Ele conversava com os clientes sobre o futuro do setor e previa que a chegada da internet rápida e acessível tornaria o streaming dominante. E assim foi.

No final de 2014, ele decidiu encerrar as atividades da locadora. Durante os últimos meses, avisaram os clientes e venderam grande parte do acervo, principalmente DVDs e Blu-rays. As fitas VHS já haviam sido retiradas há anos.

Um ano após o fechamento, por sugestão das filhas e de uma amiga, uma pequena parte do acervo restante foi vendida no Brique do SESC em 2016. Mas ainda restavam cerca de 6.500 filmes estocados na garagem de casa. O que fazer com tanto material?
A resposta foi nobre: parte foi mantida como acervo pessoal e o restante foi doado para entidades beneficentes, que utilizaram os filmes em bazares para arrecadar fundos.
Memórias que resistem

De tudo que a JOA representou, ainda restam relíquias. Jorge guarda alguns filmes preferidos, reportagens, troféus, camisetas, bonés, etiquetas de identificação e até sacolas ecológicas da locadora. Infelizmente, parte das memórias físicas foi perdida na grande enchente de junho de 2014, quando o depósito da locadora foi atingido.
Mas o que não se perdeu foi a memória afetiva.
Dez anos após o encerramento, Jorge ainda encontra antigos clientes que relembram, com brilho nos olhos, o tempo em que escolher um filme era um evento em família. Um grande amigo que comprou muitos Blu-rays na época ainda faz maratonas cinematográficas com a esposa, revivendo os velhos tempos.
Um legado eterno
A JOA Vídeo Locadora não foi apenas um negócio local, ela deixou um legado afetivo. Moldou gostos, incentivou debates, provocou descobertas e, acima de tudo, uniu pessoas. Foi ali que muitas amizades começaram, que discussões sobre finais de filmes viraram tradição, que pais e filhos criaram memórias que hoje são contadas com saudade.
Jorge encerra com um agradecimento especial:

“A todos nossos ex-clientes e amigos que nos prestigiaram durante os 24 anos de atividades da locadora, nós agradecemos pela parceria e vamos revivendo os bons momentos a cada encontro ocasional nesta querida cidade de Jaraguá do Sul.”
Jaraguá do Sul mudou muito desde então. Mas a memória da JOA permanece viva, agora também eternizada nas páginas do JDV, como parte da história da cidade que tanto amou aquele templo do cinema.
Especial 149 anos de Jaraguá do Sul
Este conteúdo foi publicado especialmente como parte das comemorações dos 149 anos de Jaraguá do Sul. Resgatar histórias como a da JOA Vídeo Locadora é também celebrar a memória viva da cidade — feita por pessoas, lugares e momentos que marcaram gerações. Ao relembrar esse capítulo tão querido do nosso passado recente, homenageamos todos aqueles que ajudaram a construir a identidade jaraguaense com afeto, cultura e encontros.
Max Pires
Já criei blog, portal, startup… e agora voltei pro que mais gosto: contar histórias que fazem sentido pra quem vive aqui. Entre um café e um latido dos meus cachorros, tô sempre de olho no que importa pra nossa cidade.