Afinal, existe diferença entre o tiro da Schützenfest e o tiro olímpico?
Atirador jaraguaense e ex-integrante da Seleção Brasileira detalha o que separa técnica e tradição
Fotos Eduardo Montecino / OCP News
Em Jaraguá do Sul, a Schützenfest é sinônimo de alegria, chope e tradição. Mas por trás dessa imersão cultural, há um símbolo que resiste ao tempo: o tiro ao alvo. É ele que dá sentido à Festa dos Atiradores, herança das antigas companhias germânicas que formaram as primeiras colônias no Vale do Itapocu.
Mas se o tiro praticado aqui é uma tradição que também virou esporte olímpico, o que realmente o diferencia das competições profissionais?
Quem explica é Samuel Leandro Lopes, jaraguaense que dedicou mais de três décadas ao esporte, representou o Brasil nos Jogos Pan-Americanos de 2007 e se tornou uma das vozes mais respeitadas do tiro esportivo catarinense.
Do tiro de rei ao tiro de precisão

Chamada de “tiro de rei”, a prática do tiro na Schützenfest representa algo mais cultural, simbólico e imprevisível. O participante compra as cartelas, faz vários disparos e depende tanto da técnica quanto da sorte.
“É um tiro simbólico, quase ao acaso. Você dá vários tiros, usa técnica, claro, mas o resultado é imprevisível. Um iniciante pode acertar o centro e virar rei, enquanto um veterano pode passar o dia todo sem o mesmo acerto.”
Já no tiro olímpico, a lógica é outra. Lá, o que vale é a constância. São 60 disparos, todos com o mesmo peso. Um bom tiro não compensa outro ruim – o que conta é a precisão repetida, a concentração total.
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“O tiro olímpico é rendimento puro; não existe sorte. Respiração, ritmo cardíaco, estabilidade. Você precisa repetir o mesmo disparo perfeito sessenta vezes, sem se deixar abalar por erros ou distrações. O tiro é 10% técnica e 90% controle emocional.”
Quando perguntam qual é mais difícil, ele não hesita: “São dificuldades diferentes. Na festa, é leveza. Se acerta, brinda; se erra, ri. Agora numa final olímpica, depois de dois anos de preparação, o emocional é outro.”

Samuel revive o momento em que quase conquistou uma medalha no Pan-Americano do Rio de Janeiro, em 2007. Empatou o bronze com um canadense, foi para o desempate e terminou em quarto lugar.
“Aquele tiro valia tudo. É uma pressão que não dá pra descrever.”
O tiro da festa é celebração; o tiro olímpico é ciência. Um nasceu do outro, mas seguiram caminhos diferentes, um popular e comunitário, o outro técnico e disciplinado.
No tiro esportivo, o chope é liberado!

Na Schützenfest, o chope faz parte do ritual. Depois de cada série de tiros, vem o brinde, o riso, o reencontro com os amigos. Já no esporte, o álcool é proibido – considerado doping pela Agência Mundial Antidopagem.
Até o ambiente mostra essa diferença. Na festa, o público conversa, ri e comemora a cada acerto. Nas competições olímpicas, o clima é de silêncio absoluto, como num jogo de tênis.
“Numa competição olímpica é silêncio absoluto. Mas hoje até o tiro profissional tem música ambiente. A Federação Internacional passou a colocar som pra tornar as provas menos monótonas.
Das sociedades de Jaraguá ao pódio internacional

Samuel começou aos dez anos, acompanhando o pai no antigo Clube de Tiro, Caça e Pesca Marechal Rondon, uma das primeiras sociedades da Schützenfest.
“Ali nasceram meus primeiros tiros e minha paixão. Era uma cultura familiar.”
De lá pra cá, foram 20 anos na Seleção Brasileira, títulos estaduais, nacionais e internacionais, e uma carreira que uniu tradição e rendimento.
“Com 46 anos, ainda estou na ativa. Esse ano fui campeão estadual de carabina apoiada. Já fui campeão brasileiro, sul-americano e um dos 20 melhores do mundo. O que me motiva é o prazer de atirar. Enquanto eu tiver firmeza na mão e luz no olho, vou continuar.”
Além de atleta, Samuel atua como coordenador da equipe de tiro de Jaraguá do Sul desde o ano 2000. São 25 anos de trabalho e resultados expressivos.

“Assumi em 2000 e seguimos com resultados expressivos. São 13 troféus de campeão dos Jogos Abertos e apenas dois anos fora do pódio. É um trabalho de constância e amor ao esporte.”
Hoje, a equipe reúne cerca de 40 atiradores que competem em torneios estaduais e nacionais.
“Jaraguá é respeitada não só pelos resultados, mas pela organização e pelo comprometimento. A cidade entendeu que o tiro é parte da nossa cultura e também do nosso esporte de rendimento.”
O estande que coloca Jaraguá entre os melhores

Entre medalhas e conquistas, Samuel Leandro Lopes guarda um orgulho especial: o novo estande de tiro da Schützenfest. O projeto, idealizado por ele há mais de duas décadas saiu do papel e hoje eleva o nível do esporte na cidade.
“Essa eu puxo pra mim, mas é verdade: o novo estande de tiro da Schützenfest é um sonho realizado. Fui atleta, técnico e hoje dirigente. E consegui deixar esse legado.”
Ele conta que o projeto começou há mais de 20 anos, quando ainda andava “com uma pastinha” no carro.
“Tinha uma cópia do projeto no porta-luvas, outra na gaveta, esperando o momento certo pra mostrar pra um prefeito, pra alguém que pudesse tirar do papel. Foram várias reuniões com administrações diferentes, até que, na gestão da secretária Natália, o projeto finalmente ganhou apoio.”

O novo estande nasceu de um esforço conjunto entre a Prefeitura de Jaraguá do Sul, o Governo do Estado e o deputado Vicente Caropreso, com apoio técnico do CAJ e da AMVALI, responsável pela execução.
“Hoje, quando alguém entra lá, vê um dos melhores estandes do Brasil. Fora das instalações militares, praticamente não existe nada parecido em nível municipal. Tudo que está ali, a iluminação, a disposição das linhas, a ergonomia, saiu da minha cabeça, inspirada no que vi de melhor no mundo.”
O espaço conta com 20 linhas de tiro, estrutura moderna e padrão internacional.
“Se você competir em Jaraguá hoje, vai sentir a mesma qualidade que em qualquer estande europeu. A diferença é o tamanho, não o nível técnico. E isso me enche de orgulho.”
Para Samuel, o estande representa a continuidade de tudo que construiu: “Fui atleta, técnico, coordenador e agora pude contribuir pra estrutura que vai receber as próximas gerações. Esse é o legado que eu sempre sonhei deixar.”
Schützenfest: técnica, alma e pertencimento

Depois de tantas conquistas, Samuel ainda se emociona ao lembrar de onde tudo começou: na Schützenfest, com o pai e a primeira carabina nas mãos.
“Eu me arrepio quando vejo as sociedades desfilando. Vejo ali a história da cidade. Vejo crianças começando como eu comecei, acompanhando o pai, segurando a carabina pela primeira vez. A festa é o berço. É ali que tudo começa.”
E encerra com uma frase que resume tudo: “O tiro olímpico é técnica. O tiro da Schützenfest é alma. No olímpico, você compete com o alvo. Na festa, compete com o coração.”
Jaraguá do Sul transformou o som de um disparo em símbolo de cultura, pertencimento e orgulho – e segue afinando a pontaria entre tradição e excelência.

Como isso impacta sua vida?
O tiro da Schützenfest vai muito além da competição. Ele representa o vínculo entre gerações, a herança de uma cultura que une famílias, clubes e comunidades em torno de disciplina, respeito e pertencimento. Quando alguém puxa o gatilho em Jaraguá do Sul, está revivendo a história de um povo que fez do esporte uma forma de celebrar a vida.

Max Pires
Já criei blog, portal, startup… e agora voltei pro que mais gosto: contar histórias que fazem sentido pra quem vive aqui. Entre um café e um latido dos meus cachorros, tô sempre de olho no que importa pra nossa cidade.