Economia | 08/10/2025 | Atualizado em: 25/11/25 ás 15:38

O trem em Jaraguá do Sul: legado centenário e desafios para a mobilidade urbana

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O trem em Jaraguá do Sul: legado centenário e desafios para a mobilidade urbana

Foto: Marcio Martins/JDV

Entre apitos, trepidações e longas filas no trânsito, o trem que corta Jaraguá do Sul continua sendo um dos sons mais característicos da cidade. E também um dos mais controversos.

Se há um século a ferrovia simbolizava o progresso e a conexão do Vale do Itapocu com o resto do país, hoje ela divide opiniões: para uns, é parte essencial da identidade jaraguaense; para outros, virou um obstáculo diário à mobilidade urbana.

Nos cruzamentos das ruas Augusto Mielke e Bernardo Dornbusch, por exemplo, bastam poucos minutos de uma composição passando para o trânsito parar completamente. De acordo com a concessionária Rumo ALL, entre cinco e seis trens cruzam a área urbana todos os dias, transportando grãos, fertilizantes e materiais siderúrgicos.

Cada composição, com cerca de 80 vagões, substitui 240 caminhões nas rodovias: um benefício logístico e ambiental indiscutível, mas que também aumenta a pressão sobre o tráfego urbano.

Como o trem moldou Jaraguá do Sul

O historiador Ademir Pfiffer destaca que o trem foi um dos grandes motores do desenvolvimento local.

“A chegada do trem ao Vale do Itapocu não representou apenas um avanço tecnológico ou econômico, mas a materialização de uma visão estratégica cultivada desde o Império”, explica.

Segundo ele, a ideia de conectar o litoral catarinense ao Planalto Norte remonta ao século 19, ainda no período monárquico. “O imperador Dom Pedro I já sonhava em ligar o Brasil pelos fios da arquitetura metálica das ferrovias”, destaca Pfiffer.

Esse sonho começou a se concretizar na virada do século 20, com a atuação do engenheiro e colonizador belga Emílio Carlos Jourdan, que planejava expandir os assentamentos europeus na região por meio da ferrovia.

Em junho de 1910, a pequena estação de Jaraguá do Sul foi inaugurada e, com isso, a cidade nunca mais foi a mesma. O trem trouxe movimento, oportunidades e uma nova dinâmica social.

“O Vale do Itapocu passou a se conectar diretamente com grandes centros urbanos, como Curitiba e São Paulo. O impacto foi fundamental para a expansão da indústria e o comércio local: alimentos e essências, chapéus, serrarias, engenhos de cachaça, ferrarias, queijarias e outros ramos produtivos se fortaleceram”, recorda Pfiffer.

A ferrovia impulsionou, também, a rede hoteleira, que se multiplicou para atender viajantes e comerciantes. Hotéis como o Brasil, o Central e o Rex tornaram-se pontos de encontro e hospedagem de quem chegava ou partia pela estação.

Foto: Arquivo

O trem e a vida social jaraguaense

Mas o impacto do trem não foi apenas econômico. Pfiffer ressalta que ele também moldou a vida social e afetiva da cidade. “O footing, costume de caminhar pela antiga Estrada do Trem, atual Avenida Getúlio Vargas, era um verdadeiro evento social”, conta o historiador.

“Essa prática era comum nos finais de semana: jovens casais de namorados, rapazes e moças solteiras observavam o movimento da estação em busca de encontros e novos afetos.”

Movimentação na estação era intensa | Foto: Arquivo

A estação ferroviária, com sua movimentação diária, tornou-se o coração pulsante de Jaraguá do Sul. Aos sábados, após a partida do trem de passageiros, era comum que os moradores seguissem para o Salão Buhr, onde saboreavam churrascos e dançavam ao som de músicas típicas. O trem, mais do que um meio de transporte, era parte da vida, dos encontros e das memórias coletivas da cidade.

Hoje, o espaço da antiga ferrovia abriga o shopping, que, segundo Pfiffer, “em certa medida cumpre a função de espaço de lazer, cultura e convivência outrora proporcionada pelo footing”. Ou seja, uma lembrança viva de como os trilhos moldaram a identidade jaraguaense.

Entre poluição, ruídos e congestionamentos

Se o passado evoca nostalgia, o presente traz desafios. O trânsito parado em função das composições é apenas um deles. Há também questões ambientais e de segurança: derramamento de grãos, ruídos constantes, vibrações nas residências próximas e o risco de acidentes nas passagens de nível.

Mesmo com os problemas, o trem ainda desperta interesse e propostas criativas. Há quem defenda a implantação de um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que poderia transformar o legado ferroviário em uma solução moderna de mobilidade, inspirada em modelos europeus. Outros, mais saudosistas, preferem preservar os trilhos como parte da história viva da cidade, mantendo-os como símbolo do desenvolvimento jaraguaense.

A discussão, afinal, é sobre o futuro e sobre o equilíbrio entre progresso e memória. Como lembra Ademir Pfiffer, “a ferrovia consolidou-se como um marco do passado, um motor de transformações sociais e produtivas, e também como um legado de visão estratégica herdado da monarquia e do espírito empreendedor europeu”.

Como seria um VLT em Jaraguá do Sul? | Montagem: JDV

Um legado que ainda corta a cidade e o cotidiano

Mais de um século depois da chegada do trem, Jaraguá do Sul ainda é cortada por seus trilhos, física e simbolicamente. Eles contam a história de um tempo em que o som do apito significava desenvolvimento, mas hoje também lembram a necessidade de repensar o crescimento urbano e a mobilidade.

Entre nostalgia e impaciência, entre o passado glorioso e o presente congestionado, o trem continua sendo parte da alma jaraguaense. Um símbolo que, mesmo parado no meio do trânsito, ainda move memórias e debates sobre o futuro da cidade.

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