Após câncer raro, jaraguaense reaprende a viver sem o próprio estômago
Diagnóstico raro, decisão extrema e uma nova vida: jaraguaense conta como é viver bem após a retirada total do estômago.
Antes e depois da superação: Giovani Volpi vive bem após retirada total do estômago - Foto: Arquivo pessoal de Giovani Volpi
A história de Giovani Volpi é sobre coragem, dúvida, dor e renascimento. Morador de Jaraguá do Sul, engenheiro, pai e marido, ele viveu uma montanha-russa médica e emocional após receber um diagnóstico de câncer raro e agressivo. Precisou fazer uma escolha impensável para muitos: viver sem o estômago.
Esta é uma reportagem especial do JDV sobre o corpo, a fé, a ciência, e o que vem depois da tempestade.

Um nó na garganta que mudou tudo
Em 2016, Giovani sentia um desconforto estranho após comer, como um nó na garganta que só passava ao vomitar. O sintoma reapareceu em 2018 e 2019. Exames mostravam apenas uma bactéria comum no estômago, a Helicobacter pylori. Nada grave, aparentemente. Até que um exame mudou o curso de tudo.
Durante uma endoscopia solicitada pela gastroenterologista Bruna Ximenes Canfield, preocupada com reincidências, algo incomum apareceu. E um novo exame, mais profundo, confirmou: adenocarcinoma gástrico de células em anel de sinete. Uma condição rara e agressiva.
“A decisão era minha, mas eu não sabia o que fazer”
Foram cinco meses entre dúvidas, exames e consultas com especialistas do Brasil e do exterior. Alguns diziam para operar imediatamente, e outros recomendavam apenas acompanhar. “Não senti medo. O que me paralisava era o impasse. Eu só queria ter certeza do caminho certo”, lembra.
Giovani chegou a marcar a cirurgia. Mas, às vésperas do procedimento, desabafou com a esposa Franciane Chiodini Pradi: “Devia ter consultado o médico referência do país, o Paulo Hoff”. Dois dias antes da cirurgia, conseguiu a consulta. A resposta de Hoff foi direta: “Faz ou morre”. Foi o empurrão que faltava.
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O momento mais difícil
“Já de avental cirúrgico, a enfermeira me disse: ‘Vai lá e se despede da tua família’. Quando voltei, sentei na maca, e uma vida inteira passou pela minha cabeça.”
A cirurgia aconteceu no dia 30 de outubro de 2019. Foram removidos o estômago, os linfonodos e a vesícula. A biópsia do estômago retirado não encontrou sinais ativos de câncer. Mas a decisão já estava tomada. O corpo precisava reaprender a viver.
Sem estômago, mas com vida

A nova rotina foi dura no início. Giovani se alimentou por uma sonda durante sete dias. Depois vieram líquidos, pastosos, pequenas porções. Comer se tornou um ritual delicado: tudo precisava ser devagar, em volumes mínimos, com atenção redobrada aos sinais do corpo.
“Nos primeiros meses, eu mal comia e já passava mal. Náuseas, vômitos, fraqueza… era um ciclo diário de tentativa e erro. Qualquer exagero, qualquer alimento errado, me derrubava. Tive que ir várias vezes ao pronto-atendimento por causa de desidratação ou crises fortes. Era como se meu corpo estivesse reaprendendo do zero, e eu junto com ele. Não era só físico, era emocional também. Tive que reaprender a confiar no meu próprio organismo.”
Aos poucos, o organismo foi se adaptando. Giovani passou a entender melhor seus próprios limites, e aprendeu a respeitar o tempo da digestão; a reconhecer o que fazia bem e o que precisava ser evitado. “Doces me deixam acelerado, com taquicardia. Fritura e frutos-do-mar também não descem muito bem.”

Hoje, seis anos após a cirurgia, Giovani come de tudo, com moderação. “Em boa parte dos dias, eu nem lembro que não tenho estômago. É estranho dizer isso, mas é verdade. Meu corpo encontrou um novo jeito de funcionar.”
“Foi a recompensa. A vida dizendo: ainda tem muito pela frente. Naquele momento, tudo fez sentido. Todo o medo, a dor, a dúvida… serviram para me conduzir até aqui. Hoje, cada momento com minha família tem outro valor. O tempo ganhou outro peso. Aprendi que estar presente é o maior presente.”
Ele perdeu 20 quilos, mas ganhou qualidade de vida. Voltou ao trabalho, retomou a rotina e reencontrou o prazer nas pequenas coisas. Mas, para ele, o maior presente veio onze meses após a cirurgia: a chegada de Miguel, seu filho.
O que diz a medicina

O cirurgião Gustavo Noal, que atua em Jaraguá do Sul, explica que o principal desafio após a gastrectomia total é adaptar o sistema digestivo. “O estômago é um reservatório. Sem ele, os alimentos caem direto no intestino. Isso exige uma nova lógica alimentar.”
Nos primeiros dias, a dieta é líquida e fracionada. Depois, alimentos cremosos, pastosos, até os sólidos. Cada pessoa tem um grau de tolerância.
“É como na bariátrica. Tem paciente que nunca mais consegue comer carne vermelha. Outros voltam a uma alimentação quase normal.”
A boa notícia: “Na maioria dos casos, é possível ter uma vida plena, ativa e com qualidade”, garante o médico.

Quando os exames dizem coisas diferentes
Mas por que tantos exames de Giovani deram resultados divergentes? Segundo Noal, isso acontece por dois fatores principais:
- Erro de amostragem: a biópsia pode não atingir a área exata onde o câncer está.
- Câncer camuflado: alguns tipos só se revelam com exames como a imunohistoquímica, que usa substâncias específicas para identificar mutações.
“Dor de estômago recorrente, sensação de estufamento, azia constante, náuseas, perda de peso sem explicação, anemia crônica… tudo isso são sinais que o corpo dá, e que muita gente ignora. O erro mais comum é tratar com remédio por conta própria, mascarar os sintomas e seguir a vida como se nada estivesse acontecendo. Isso pode atrasar um diagnóstico grave. Não dá pra brincar com o estômago. Endoscopia salva vidas.”
Um recado de quem passou por tudo

Giovani faz questão de deixar uma mensagem sobre o diagnóstico e tudo o que passou:
“Quando a gente recebe o diagnóstico de câncer, parece que o chão some. Tudo o que era certo vira dúvida. Cada exame é uma montanha-russa. Mas com o tempo, a gente descobre uma força que nem sabia que tinha. É normal sentir medo, chorar, se sentir perdido… só não pode deixar o medo definir seu caminho. Ele existe, mas não comanda. Segure firme. Tenha fé. Escute os médicos. Confie no processo. Um dia, a dor dá lugar à esperança, e a vida mostra que ainda tem muito a oferecer.”
Como isso impacta sua vida?
A história de Giovani emociona, mas também ensina. Em Jaraguá do Sul e em todo o Vale do Itapocu, muita gente convive com sintomas ignorados, diagnósticos imprecisos e dúvidas que podem custar caro. Procurar ajuda, insistir na investigação e confiar na ciência pode ser o passo que separa o desespero da vida nova. Giovani está aqui para provar.
Max Pires
Já criei blog, portal, startup… e agora voltei pro que mais gosto: contar histórias que fazem sentido pra quem vive aqui. Entre um café e um latido dos meus cachorros, tô sempre de olho no que importa pra nossa cidade.