Colunistas | 21/12/2025 | Atualizado em: 21/12/25 ás 07:18

Entre mastros, música e memória: o Vogelschiessen como patrimônio cultural vivo em Rio Cerro II

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Entre mastros, música e memória: o Vogelschiessen como patrimônio cultural vivo em Rio Cerro II

Fotos: Arquivo Pessoal

O Vogelschiessen (Tiro ao Pássaro), realizado em 13 de dezembro de 2025, na sede social da Sociedade Aliança, em Rio Cerro II, configura-se como uma das mais expressivas manifestações culturais remanescentes da colonização pomerana e alemã no norte de Santa Catarina. Mais do que um evento festivo, trata-se de uma prática social complexa, na qual se entrelaçam ritual, memória, religiosidade, música, gastronomia e convivência comunitária.

Enquanto expressão de um patrimônio cultural imaterial, o Vogelschiessen permanece vivo não por força de encenação artificial, mas pela adesão afetiva da comunidade, pela transmissão intergeracional e pela capacidade de ressignificar tradições europeias no contexto brasileiro. Essa permanência dialoga diretamente com o pensamento de Mário de Andrade, para quem o patrimônio cultural não reside apenas nos monumentos, mas sobretudo nas práticas, saberes e modos de viver do povo.

O evento teve início às 14 horas, com a concentração dos sócios sob o comando de Gerson Hornburg, veterano no comando de marcha, seguido da fala do presidente Waldino Hornburg, que apresentou as ações desenvolvidas ao longo do ano, destacando o esforço coletivo e o espírito associativista como base do crescimento contínuo da Sociedade Aliança.

Momento de reflexão

Antes da ritualística folclórica de busca das majestades, a abertura contou com uma reflexão conduzida pela pastora Daiane Berndt Bottcher (IECLB), do Vale do Itajaí, que articulou a fé comunitária à cultura do imigrante europeu, ressaltando o papel da espiritualidade luterana na formação ética, social e cultural da comunidade de Rio Cerro II, desde sua colonização.

A corte das majestades, eleita na primavera de 2024 e entronizada em 2025, foi oficialmente apresentada, composta por Richard Bryan Franzner, rei; Maicon Kreutzfeld, 1º cavalheiro; e Vanfried Schroeder, 2º cavalheiro. Em um momento de forte carga simbólica, o rei rompeu o protocolo tradicional ao entronizar sua filha caçula, Elis Franzner, como rainha mirim do Vogelschiessen infantil, gesto que evidenciou a transmissão familiar e afetiva da tradição, seguido pela entrega de flores por um grupo de jovens.

A ritualística de busca das majestades foi abrilhantada pela Banda Os Fantásticos, de Timbó, em cortejo realizado no entorno da sede social, respeitando o percurso tradicional de ida e regresso. À frente seguiu a banda de música folclórica, seguida pelo corpo de bandeireiros, pelas majestades, pelos cavalheiros e associados, compondo uma cena cerimonial marcada por hierarquia simbólica e identidade cultural.

Na sessão de homenagens, o vice-presidente Vanderlei Lenz destacou o perfil trabalhador, familiar e comunitário do rei, enfatizando seu engajamento com a Sociedade Aliança e os valores que sustentam a vida associativa local.

O café colonial, coordenado por Luise Siewerdt Marcelino, integrou a tradição gastronômica ao evento, oferecendo pães com kochkäse, herings e wurst, além de bolos e cucas, enquanto ocorriam as competições do Vogelschiessen e a tarde dançante, animada por ritmos germânicos regionais. O público participou ativamente, reforçando o caráter integrador e festivo da celebração.

Às 17h30min, foi dado o toque para entrar em forma, iniciando o cerimonial de proclamação do novo rei para 2026. Em tom lúdico, o rei da festa do dia, Richard, escondeu-se em um dos compartimentos da Sociedade Aliança, gerando uma busca simbólica conduzida pelos cavalheiros, acompanhada musicalmente pela banda. Durante esse momento, descendentes de pomeranos realizaram o gesto tradicional de bater levemente os mastros das bandeiras na pista de dança, costume herdado das antigas colônias pomeranas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e Rondônia.

Prática comunitária e associativismo

O Vogelschiessen de Rio Cerro II confirma-se como um patrimônio cultural vivo, sustentado pela prática comunitária, pelo associativismo e pela capacidade de adaptação ao tempo presente sem romper com suas raízes. Nesse sentido, a festividade materializa o pensamento de Mário de Andrade, que defendia a valorização das culturas populares e tradicionais como expressões legítimas da identidade brasileira, afirmando que o patrimônio cultural se constrói no cotidiano, na festa, na música, na comida e nos gestos compartilhados.

Ao preservar e vivenciar o Vogelschiessen, a comunidade de Rio Cerro II não apenas mantém uma herança europeia, mas a reinterpreta no contexto brasileiro, reafirmando sua identidade local e contribuindo para a diversidade cultural do país. Trata-se, portanto, de um movimento cultural remanescente que ultrapassa a dimensão festiva, constituindo-se como espaço de memória, pertencimento e continuidade histórica.

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Ademir Pfiffer

Historiador e criador de conteúdo digital para as plataformas do Kwai, Tik Tok e You Tube. Dedicado à pesquisas sobre memória e patrimônio histórico-cultural em comunidades tradicionais

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