‘O resgate de Arthur Scheibel’: a história do catarinense que foi em busca do irmão na 2ª Guerra
Fotos: Divulgação | Montagem: JDV
A Segunda Guerra Mundial atingiu em cheio a família Scheibel, de Corupá, no Norte catarinense. O desaparecimento de Arthur Scheibel, que estava lutando com a marinha americana, levou seu irmão Bruno a se alistar na FEB (Força Expedicionária Brasileira) e partir para a Europa em busca de respostas.
Após lutar no Norte da Itália, Bruno Scheibel iniciou uma peregrinação para tentar encontrar o irmão, mas retornou ao Brasil sem qualquer vestígio. Pelas informações que a família recebeu no decorrer da guerra, passou a acreditar que Arthur havia morrido no Dia D, durante o embarque dos aliados na Normandia ocorrido em 6 de junho de 1944.
No entanto, uma pesquisa independente feita por Ivo Kretzer, secretário da Associação Nacional de Veteranos da FEB, conseguiu descobrir o verdadeiro destino de Arthur Scheibel. E, com isso, encerrar uma busca que levou um irmão a cruzar o Atlântico e participar ativamente do maior confronto bélico da história.

O começo de tudo: um jovem sonhador
Nascido em Benedito Novo, Arthur Scheibel foi criado em Corupá, quando a cidade ainda fazia parte de Jaraguá do Sul. A professora de História aposentada Sandra Scheibel, sobrinha de Arhur e filha de Bruno, conta que seus avós tiveram cinco filhos.
“Quando eles terminavam a escola em Corupá, dirigiam-se a Florianópolis para terminar os estudos no Colégio Catarinense. Ele [Arthur] foi para lá e quis fazer parte da Aeronáutica, mas meus avós não deixaram. Então, por baixo dos panos, matriculou-se na Marinha”, conta.
Sandra diz que seu avô, pai de Arthur, ainda tentou dissuadi-lo de se tornar marinheiro, alertando que uma guerra estava começando na Europa. Mas foi em vão: o filho estava decidido a iniciar uma vida de aventuras.
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Arthur, portanto, passou a trabalhar na Marinha Mercante Brasileira, embarcando em navios que cruzavam o Atlântico em plena guerra. Foi nessa época que sua vida tomou um rumo inesperado: a embarcação brasileira em que trabalhava sofreu um ataque de um submarino alemão.
O garoto criado em Corupá sobreviveu e acabou salvo por um navio norte-americano que navegava pela região. Profundamente grato, decidiu aceitar o convite para ir aos Estados Unidos. Lá, se naturalizou americano e, em 1943, passou a integrar a Marinha dos EUA, onde foi promovido ao posto de Segundo Engenheiro Tenente.
“Com a decretação de guerra dos americanos contra os nazistas, ele foi convocado a participar de uma ação na Europa”, conta Ivo Kretzer.
A busca pelo irmão
Em 1944, quando o mundo ainda vivia o conflito mais devastador da história, os pais de Arthur, Rudolfo e Maria Scheibel, sofriam com a falta de comunicação com o filho. Como a família sabia de seu envolvimento na guerra que estremecia a Europa, Bruno Scheibel decidiu que iria lutar com a FEB para tentar encontrar o irmão.
Pensando nesse enredo familiar hoje, Sandra Scheibel, aos 74 anos, tenta se pôr no lugar de sua avó Maria durante os eventos dramáticos da época.
“Eu paro para pensar, se eu fosse a mãe dos cinco: um já tinha ido e ficado por lá. O que aconteceria se meu outro filho fosse e não voltasse? E meus avós já tinham a ideia de não mandar nenhum filho para a guerra, por isso não queriam que os filhos fossem marinheiros ou pilotos de avião”, ressalta.


Mas a decisão estava tomada, e Bruno Scheibel foi um dos 25 mil homens que saíram do Brasil para lutar na Itália. Ele serviu com bravura e chegou a ser ferido na guerra. Mas antes do fim do conflito, uma carta enviada pela Embaixada Brasileira nos Estados Unidos a Corupá abalaria a família Scheibel.
O documento lido pelo casal Rudolfo e Maria informava que o filho, o tenente Arthur Scheibel, havia morrido em combate na França, mas não mencionava data, local ou circunstâncias.
Dessa forma, com o fim da campanha italiana, Bruno viajou para a França, onde iniciou uma busca por registros, vestígios ou qualquer testemunho que pudesse revelar o que havia acontecido ao irmão. Infelizmente, não encontrou nada. Nenhum corpo, nenhuma pista.
Sem mais detalhes, os Scheibel deduziram que Arthur teria morrido durante o Dia D, em 6 de junho de 1944, na Batalha da Normandia, onde as forças aliadas desembarcaram para libertar a França do domínio nazista.
80 anos depois, a verdade revelada
A história, no entanto, não foi exatamente essa. E somente agora, graças às pesquisas de Ivo Kretzer, o enigma foi solucionado. Kretzer mergulhou em documentos militares norte-americanos e descobriu que Arthur Scheibel, então tenente da Marinha dos Estados Unidos, morreu em 20 de abril de 1944, semanas antes do Dia D, em uma outra operação militar, no Mar Mediterrâneo.
“Havia um comboio de embarcações americanas levando suprimentos para a Itália. Eles já estavam avançando no mar Mediterrâneo e, para azar deles, foram avistados por um esquadrão de aviões torpedeiros alemães, que deram meia volta e atingiram o navio americano”.

Segundo o pesquisador, Arthur fazia parte da tripulação do navio militar SS Hamilton, que transportava 580 militares e uma carga de suprimentos explosivos. O navio havia partido de Hampton Roads, Virgínia, nos Estados Unidos, como parte do comboio UGS 38, rumo à Itália para abastecer as forças aliadas.
Na noite de 20 de abril, quando navegava próximo à costa do Cabo Bengut, ao norte da Argélia, o comboio foi atacado por aviões torpedeiros alemães Junkers Ju 88A. Um dos torpedos atingiu o SS Hamilton, que explodiu em segundos e afundou quase imediatamente. Nenhum dos 580 tripulantes sobreviveu.
Entre eles estava o jovem catarinense Arthur Scheibel, então com 26 anos, que mais tarde seria homenageado “post mortem” com a Medalha da Marinha Americana.

Um legado que atravessa gerações
Para Sandra Scheibel, que ainda vive em Corupá, a descoberta tem um valor imensurável. “Naquela época, as notícias chegavam truncadas, então meu pai realmente acreditou que o irmão tivesse morrido no Dia D. Por isso, tenho que agradecer ao Ivo por, de forma espontânea, ter feito essa pesquisa”, agradece Sandra.
Ela destaca que a descoberta põe fim à longa busca iniciada por seu pai há mais de 80 anos, esclarecendo o que realmente aconteceu com seu tio Arthur.

E por que Ivo Kretzer se dedicou à pesquisa? A verdade é que ele tem uma ligação profunda com os expedicionários brasileiros. Afinal, seu pai, Fridolino Kretzer, também combateu na Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, Ivo luta, de forma independente e por meio da Associação de Veteranos da FEB, pela preservação da memória de homens e mulheres que se sacrificaram em um momento sombrio da história da humanidade.
E, por isso, carrega consigo a seguinte frase: “Aquele que não registra os fatos contribui para que a história seja consigo sepultada”. O fato descoberto por ele, portanto, já foi devidamente documentado e Ivo Kretzer pretende, agora, que a data da morte de Arthur Scheibel seja alterada nos monumentos oficiais.
Oito décadas após o casal Rudolfo e Maria receberem uma carta informando a morte do filho na França, a história foi esclarecida. O local da morte mudou, é verdade. Mas a coragem dos irmãos Scheibel e o amor fraternal, que fez Bruno ir para o front em busca de Arthur, permanecem intocáveis.
Thomas Madrigano
Meu foco é encontrar e contar boas histórias, onde quer que elas estejam. Com experiência em jornalismo multimídia, busco levá-las ao público em diferentes formatos e linguagens, aliando forma e conteúdo para uma experiência enriquecedora.