Sônia Pillon é jornalista e escritora, formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto e Gramática pela Univille. Integra a AJEB Santa Catarina. Fundadora da ALBSC Jaraguá do Sul.
Coluna: Memórias circenses
Respeitável, público! O show vai começar! Não deixe morrer o saudável lado criança que existe aí, e em cada um de nós. Acesse a coluna da Sônia Pillon e saiba mais
20/02/2022
Não consigo lembrar com exatidão com que idade fui ao circo pela primeira vez. Com certeza foi na minha primeira infância, em Porto Alegre. As imagens trazidas pela memória são fragmentos de luzes e apresentações no picadeiro, como do palhaço de roupas coloridas e bizarras que levava a plateia às gargalhadas. Só lembro que me divertia muito quando me levavam para assistir as inúmeras atrações. As lonas ainda eram de tecido, como as que ainda cobrem as cargas de caminhões.
Naquela época, era comum assistir o homem que cuspia fogo, o mágico que tirava lenços e coelhos da cartola, ou atravessava espadas em uma caixa com um “voluntário”, escolhido da plateia. Estava sempre acompanhado por uma assistente, que se encarregava de desviar a atenção para os truques de mágica. Convenhamos que depois do surgimento do Mister M, com certeza os artistas tiveram de se reinventar, não é mesmo? Ganhou o público, com certeza.
Tinha a “mulher-gorila”, os trapezistas, as apresentações com elefantes, tigres e leões, que hoje felizmente foram banidas definitivamente dos espetáculos circenses.
Lembro sempre do meu opa José. Meu avô materno contava que a simples chegada do circo era um grande acontecimento, especialmente nas comunidades rurais mais isoladas. Para disseminar a notícia rapidamente entre a população, convocavam as crianças que não podiam pagar os ingressos. Elas anunciavam a novidade por todos os cantos e tinham as palmas das mãos marcadas com um “X”. Dessa forma, poderiam assistir o espetáculo de graça, no final do dia.
O fascínio pela figura lúdica do palhaço e sua alegria contagiante fez com que em determinado momento me aproximasse desse universo. Por um certo tempo, atuei animando crianças em festas e escolas. Sentia uma satisfação interior indescritível.
Dois episódios especialmente me marcaram para sempre. Certa vez aceitei o convite para me apresentar como a Palhaça Dorothy no asilo municipal de Porto Alegre. Percorri os alojamentos e procurava conversar com aqueles velhinhos. Perguntava como estavam, era uma boa ouvinte. Em determinado momento, uma das mulheres encontrei sentada de frente para o portão de entrada e ela me disse que esperava o filho, que era muito ocupado, mas que prometeu visitá-la. Me garantiu que pertencia à família de um ex-governador da capital gaúcha. Descobri depois que ela aguardava o filho todas as tardes, mas ele nunca aparecia…
Mas nada me emocionou tanto do que uma mulher que encontrei pouco depois (vou chamá-la de “Maria”). Ela me viu e abriu um grande sorriso. “Nunca vi um palhaço pessoalmente! Quando era pequena, meu pai nunca deixava que fosse no circo”, ela me disse. Difícil descrever o que senti naquele momento. “Dona Maria, foi justamente por isso que vim aqui lhe ver, porque sabia disso”. Conversamos um pouco, procurei alegrar aquela figura solitária que não conheceu o palhaço na infância. Na despedida ela me abraçou e chorou. Ao sair do alojamento dela, confesso que desmontei, ao mesmo tempo que me senti feliz por estar ali, naquele momento.
Ontem fui no circo com minha neta, meu filho e minha mãe. As apresentações são diferentes, o uso da tecnologia foi definitivamente incorporado aos shows, mas o mesmo encantamento estava lá, não somente nos olhos brilhantes da criançada, mas também dos pais, que puderam resgatar sentimentos adormecidos da infância.
Respeitável público! O show vai começar! Não deixe morrer o saudável lado criança que existe aí, e em cada um de nós.