Uma joia no Oeste de SC: conheça a maior igreja de madeira do Brasil
Igreja foi construída a mão pela comunidade, com a técnica enxaimel Foto: prefeitura de S. J. do oeste
A maior igreja de madeira do Brasil e da América Latina ergue-se imponente em São João do Oeste, no Extremo-Oeste de Santa Catarina. Mais do que uma obra arquitetônica, a Igreja Matriz São João Berchmans carrega em suas toras milimetricamente talhadas a história da colonização alemã na região, a união comunitária de Porto Novo e a força de uma fé que atravessou gerações. A construção do templo, inaugurado em 15 de agosto de 1948, é um capítulo fundamental na identidade do município e um símbolo da capacidade humana de transformar devoção em legado. É uma joia no Oeste de SC.
Das picadas à madeira nobre: o início da comunidade
A trajetória da comunidade de Porto Novo, da qual derivou São João do Oeste e municípios vizinhos, começa com a chegada de famílias de origem alemã vindas do Rio Grande do Sul. Sem estradas ou estruturas mínimas, os primeiros imigrantes abriram picadas na mata fechada, abrindo espaço para os primeiros ranchos cobertos com folhas de coqueiro e paredes de tábuas brutas.
As prioridades eram claras: após o abrigo, vinham a escola e a capela, muitas vezes, a mesma construção adaptada. Como relembra o professor José Flávio Weber, “a escola funcionava seis dias por semana como espaço para os alunos estudarem, e no domingo virava capela”. Essa realidade deu origem à expressão “escola-capela”, comum nas comunidades do interior.
Da capela ao templo: o nascimento de um projeto coletivo
Com o crescimento da população e o fim da Segunda Guerra Mundial, nasceu o desejo de erguer uma igreja maior, que abrigasse a fé e a tradição da comunidade. A madeira, abundante na região, foi o material escolhido. Para transformar essa ideia em realidade, a comissão de construção contratou o carpinteiro alemão Franz Deiss, que liderou os trabalhos ao lado de Lino Soethe. Juntaram-se a eles Hans Merkel, Anthon Schuller e Karls Meyer, também vindos da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial – todos com profundo conhecimento em construções de madeira.
A estrutura da igreja segue o modelo enxaimel europeu, típico da região da Renânia, de onde veio a inspiração para a torre em formato de capacete renano, elemento marcante do templo. Cada detalhe foi pensado para preservar técnicas ancestrais de construção, resultando em uma obra única no Brasil.
Uma obra erguida com braços, fé e precisão artesanal
Cada uma das colunas da igreja foi extraída de árvores inteiras da espécie cabreúva, conhecidas por sua durabilidade. As árvores foram escolhidas a dedo no mato e arrastadas com carros de bois. Após isso, as toras eram falquejadas com machado e serrote, finalizadas com plaina. Todo o esqueleto da igreja foi montado com encaixes de madeira e um mínimo de ferragens – pregos só começaram a ser usados nas fases de fechamento das paredes.
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O processo de erguer as colunas, com 9 metros de altura e cerca de 25 centímetros de espessura, exigia uma verdadeira operação coletiva. Várias famílias se reuniam para o esforço físico, utilizando cordas, escoras e ripões para manter a estrutura no prumo. “Foi com a força dos braços e o apoio mútuo que essas colunas subiram”, contam os relatos preservados por pioneiros como Honorio Ziein, marceneiro que atuou diretamente na obra.
Cada etapa, um marco; cada banco, um símbolo
A primeira cobertura foi feita com tábuas. Somente em 1956, oito anos após a inauguração, foram colocadas telhas de cerâmica. A inauguração, em 1948, contou com a presença do bispo de Palmas (PR), que percorreu o trajeto de Iporã até São João do Oeste montado a cavalo, acompanhado por membros da comunidade.
Após a inauguração simbólica, seguiram-se os acabamentos. As janelas, portas e bancos vieram com o tempo, conforme as doações permitiam. Os bancos de cedro, lixados manualmente e envernizados com polina, foram feitos localmente por Ziein, que entalhava inclusive os detalhes ornamentais com formão e martelo.
Já o forro e o revestimento interno são de araucária (pinho), madeira nobre comprada em Pinhal, atual Iporã do Oeste, pois a espécie não era nativa da região. Essa etapa reflete a mudança no poder aquisitivo da comunidade, que já podia adquirir materiais de fora.

A torre e os sinos: som que ecoa história
A torre original da igreja recebeu, inicialmente, um sino já existente na comunidade. Em 1957, foram adquiridos dois novos sinos – um de 1.000 quilos e outro de 600 quilos. Devido ao peso, eles não puderam ser instalados na estrutura principal da igreja, dando origem à construção de um campanário independente, que até hoje compõe o cenário icônico do templo.
Uma igreja em constante construção até 1963
A obra seguiu por 15 anos. O acabamento do teto e a instalação das abóbadas ocorreram por volta de 1959. Em 1962, com as mudanças trazidas pelo Concílio Vaticano II, as missas passaram a ser celebradas com o padre voltado para o povo, o que exigiu pequenas adaptações no altar. A construção só foi considerada totalmente concluída em 1963.
O templo abriga até hoje o coração espiritual da cidade. Com 14 metros de largura por 28 metros de comprimento, a igreja impressiona por sua simetria, acabamento e presença. A madeira, minuciosamente tratada, confere à nave principal um brilho inconfundível, que reflete o cuidado de gerações.
Como isso impacta sua vida?
A Igreja São João Berchmans não é apenas um marco arquitetônico — ela é uma herança viva da fé, do esforço coletivo e da identidade cultural de São João do Oeste. Sua história representa o que há de mais genuíno na formação das comunidades do Oeste Catarinense: trabalho conjunto, respeito à tradição e um profundo senso de pertencimento. Preservar essa igreja é preservar o que há de mais autêntico na alma da cidade.
A propósito: São João Berchmans foi um religioso belga.
Marcio Martins
Profissional da comunicação desde 1992, com experiência nos principais meios de Santa Catarina e no poder público. Observador, contador e protagonista de histórias, conheço Jaraguá do Sul como a palma da mão