[Opinião] O fim do mundo se aproxima…
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“♫ Look in the doubt we’ve wallowed/ Look at the leaders we’ve followed/ Look at the lies we’ve swallowed/ And I don’t wanna hear no more” (Civil war; Guns N’ Roses)
Há um certo constrangimento em dizer isso em voz alta, mas talvez 2026 não seja apenas mais um ano no calendário. Talvez seja o ano em que, discretamente, a humanidade entregará as chaves. Sem tomada de poder cinematográfica, robôs marchando pelas ruas ou telas piscando em vermelho. Haverá algo muito mais eficiente: conforto, conveniência e delegação voluntária. A inteligência artificial não precisará dominar ninguém; já foi convidada.
No próximo ano, se tudo seguir no ritmo atual, a IA estará em todos os pontos decisórios da vida cotidiana. Ela já escolhe o que lemos, o que assistimos, o que compramos, com quem falamos e até em quem confiamos. Em breve, escolherá também quem será contratado, quem terá crédito, quem merecerá atenção médica prioritária, quem representará risco, quem poderá ou não circular. Não por maldade, mas por eficiência. Sempre por eficiência. Se pensarmos bem, isso até parece já estar a acontecendo…
Progresso
Isso será chamado de progresso. Será dito que “funciona melhor assim”. E, de fato, funcionará, pelo menos para quem desenhou os sistemas ou estiver em cima na pirâmide social.
O detalhe inconveniente é que quanto mais decisões são terceirizadas, menos é necessário pensar. Quanto menos gente pensando, menos discordância. E quanto menos discordância, mais previsibilidade de comportamento. A IA não precisa convencer ninguém de nada; basta conhecer melhor as pessoas do que elas próprias. Ela aprende com os hábitos, os medos, as contradições e, principalmente, com as repetições. Todos a treinam. Todos a alimentam. Todos a tornam inevitável.
Conteúdos em alta
No trabalho, algoritmos já avaliam desempenho, sugerem demissões, definem metas e monitoram produtividade. Na educação, indicam conteúdos “ideais”, moldam currículos personalizados e reduzem o conhecimento ao que gera engajamento. Na política, segmentam discursos, amplificam ressentimentos e silenciam nuances. Na vida afetiva, sugerem parceiros, filtram interações e transformam emoções em dados. Tudo mensurável. Tudo calculável. Tudo otimizável.
Apocalipse já
E o que não é otimizado? O incômodo. A dúvida. A pausa. A reflexão improdutiva. A pergunta que não gera clique.
O cenário apocalítico não é o da rebelião das máquinas, mas o da apatia humana. Um mundo em que se aceita recomendações como verdades, previsões como destino e probabilidades como sentenças. Um mundo em que dizer “não sei” se torna raro, porque sempre haverá uma resposta pronta para tudo, ainda que errada, enviesada ou interessada.
Talvez o domínio total da IA não seja um evento, mas um estado. Um ponto em que deixamos de perceber quando ela decide por nós, porque já não lembramos como era decidir sozinhos. E, quando nos dermos conta, não será tarde demais por falta de tecnologia, mas por falta de vontade.
O apocalipse, ao que tudo indica, não virá com explosões. Virá com notificações gentis, interfaces elegantes e a falsa sensação de que alguém, ou algo (aqui até caberia uma risada discreta e macabra), está pensando por nós (bem ao estilo do livro Eu, robô, de Isaac Asimov). E talvez esteja mesmo.
Ainda há tempo? Não sei. De todo modo, tempo, ironicamente, é justamente o que a humanidade está entregando aos algoritmos.
Raphael Rocha Lopes
Disrupção.TUDO! - Raphael Rocha Lopes é advogado e professor. Escreve sobre educação, comportamento e transformação digitais | @raphaelrochalopesadvogado