Três artistas jaraguaenses que estão transformando a cena cultural da cidade
Eles estão mudando o jeito de ver arte em Jaraguá do Sul. Conheça Tito, Cássio e Alan.
Da esquerda para a direita: Tito Hille durante intervenção artística, Alan da Silva (A23) criando ilustração digital e Cássio Lopes pintando mural colaborativo em Jaraguá do Sul.
Jaraguá do Sul sempre foi lembrada por sua força industrial, sua organização e sua disciplina. Mas sob o barulho das máquinas e o ritmo constante da produção, há uma cidade paralela, silenciosa, intuitiva, que cria a partir do que sente.
Uma Jaraguá que pensa e sonha com as mãos, com o olhar e com a cor. Essa cidade está ganhando voz através de uma geração de artistas que se recusam a enxergar a arte como luxo. Para eles, arte é linguagem, resistência e, principalmente, libertação.
Três nomes se destacam nesse movimento: Tito Hille, Cássio Marcel Spuldaro Lopes e Alan R. L. da Silva, conhecido como A23. Cada um, a seu modo, traduz um aspecto da alma jaraguaense. Tito vem do inconsciente, do impulso ancestral e da espiritualidade profunda. Cássio nasce do silêncio e do olhar que busca entender o mundo e a si mesmo. Alan emerge do traço urbano, do digital e da energia contemporânea. Juntos, eles contam uma história que vai muito além da estética, a história de uma cidade que está aprendendo a se ver como criadora.
Tito Hille: o artista que faz da liberdade um manifesto

Antes de ser artista, Tito Hille foi fanzineiro, vocalista e letrista da banda Kontra Ordem, um grupo jaraguaense com letras libertárias e tom de protesto. Vindo dos anos 80 e 90, Tito cresceu na cena underground, entre o punk, o improviso e o desejo de expressão. Sua entrada nas artes visuais, em 1996, foi um desdobramento natural dessa inquietação. Desde criança, criava pequenas esculturas com conchas e massa epóxi, uma tentativa instintiva de materializar o que sentia.

Autodidata, Tito não acredita em fórmulas. Para ele, a arte é o último território livre da humanidade. “Vivemos num mundo repleto de regras e obrigações. Na arte, precisamos ser livres”, costuma dizer. Seu processo criativo nasce dos impulsos e do inconsciente. Ele fala de memórias antigas, de uma ancestralidade perdida, de um conhecimento que o homem moderno esqueceu. Em suas obras, o resgate espiritual e o gesto primitivo se transformam em linguagem plástica, pinturas, colagens e composições que parecem emergir de sonhos.

“A arte é o último território verdadeiramente livre. É onde posso me despir das regras do mundo e deixar o inconsciente conduzir o que minhas mãos criam.”
Conteúdos em alta
Tito acredita que criar é uma forma de acordar a consciência adormecida. Sua arte mistura símbolos, texturas e fragmentos, desafiando o espectador a olhar para dentro. Ele não se interessa por agradar ou se encaixar no que o mercado espera. Para ele, a arte é um espaço de confronto e autoconhecimento. “Mesmo que o observador não compreenda tudo, o importante é que sinta algo”, diz. Esse é o ponto de partida de seu trabalho: provocar reações, reflexões e até desconforto.

Apesar de ter participado de diversas exposições individuais e coletivas, Tito vê sua trajetória como um processo inacabado, uma busca constante. Ele não tem uma “obra definitiva”. Para ele, cada criação é um espelho do instante e da transformação. O mais marcante, segundo o próprio artista, não está no produto, mas na experiência. “A arte é um veículo de expansão. Quando permitimos que ela nos conduza, ela amplia nossos sentidos.”

Nos bastidores, Tito enfrenta os mesmos desafios de tantos outros artistas da cidade: a falta de tempo, o distanciamento das redes sociais e o pouco espaço dedicado à arte experimental. Ainda assim, ele continua. Movido pelas inquietações que o atravessam, produz quando sente necessidade — e se entrega por inteiro. Sua arte é um grito silencioso, mas firme. É resistência estética e espiritual. É, acima de tudo, liberdade.
Cássio Lopes: o artista que faz da imperfeição um espelho
Cássio Marcel Spuldaro Lopes representa o outro extremo do mesmo universo: o da introspecção e do autoconhecimento. A arte sempre foi uma extensão de sua vida, algo que nasceu com ele. Desde criança, o desenho era a maneira de se entender. Aos 18 anos, já transformava o hobby em profissão, vendendo os primeiros trabalhos e percebendo que o que fazia não era distração, era destino.

Hoje, Cássio se define como ilustrador e artista visual, rótulos que ele aceita apenas por liberdade. Seu estilo é difícil de enquadrar, porque nasce do processo mais do que do resultado. “O que me representa é o fazer, não o produto”, costuma dizer. Ele acredita que o valor da obra está no percurso, na experimentação, nos erros e nas imperfeições.

“O processo é o que me representa, não o produto. Cada obra é um espelho imperfeito, mas é nele que eu me reconheço.”
Sua pintura “O Observador Divergente”, exposta atualmente no OCA Café, é uma síntese disso tudo. A obra o acompanha há sete anos, como um elo entre passado e presente. Foi criada antes de um hiato de seis anos longe das artes, um período de pausa e reflexão, e tornou-se uma espécie de amuleto. O quadro já foi admirado, desejado, mas nunca vendido. “Ele é a minha âncora”, diz o artista. É um símbolo de persistência e de reconexão com o próprio propósito.

Cássio acredita que Jaraguá do Sul está passando por um processo de amadurecimento cultural. Para ele, a arte local vive um momento de adolescência, cheio de energia e potencial, mas ainda em busca de identidade. “É uma cidade competitiva, e isso se reflete nas artes. Ainda falta naturalidade no consumo de cultura.” Mesmo assim, ele vê sinais de mudança. As pessoas estão mais abertas, os espaços começam a se multiplicar, e a arte deixa de ser vista como acessório.

Ele fala com lucidez sobre as dificuldades de viver de arte, mas sem amargura. “O que me faz continuar é o processo. Criar é o que me mantém vivo.” Cássio vê no ato de pintar um espelho da própria humanidade — um modo de se compreender e compreender o outro. Quando alguém se emociona com uma de suas obras, ele sente que algo essencial aconteceu. “É quando percebo que a conexão se fez. Ela se emocionou com algo que também me transformou.”

Sua visão é clara: arte é transformação mútua. E sua pergunta final, deixada como reflexão, ecoa como um manifesto: o que é, afinal, arte?
Alan da Silva (A23): entre o lápis, o pixel e o mundo

Alan da Silva, o A23, é o ponto em que o manual e o digital se encontram. Desde pequeno, desenhava compulsivamente. Seus pais, percebendo o talento, lhe deram dois livros de desenho, um sobre perspectiva, outro sobre anatomia. Alan os estudou até decorar cada forma. A mão parecia ter vontade própria, como se desenhar fosse um instinto.

Hoje, ele é conhecido pelo estilo vibrante, detalhado e cheio de energia. Mistura elementos, cria composições complexas e transforma o cotidiano em fantasia visual. Suas influências vão de artistas alternativos como Mulheres Barbadas e McBess até as referências do design gráfico contemporâneo. O resultado é um universo onde o caos e a harmonia coexistem.

“Não é só um desenho. É sentimento junto. A arte está em tudo — no som, na tinta, nas palavras — e é pra todos.”
Alan já ilustrou o jornal comemorativo dos 143 anos de Jaraguá do Sul, criou murais, estampas, paper toys e até peças para marcas como Puma, OP, QIX Skateboards e Grafipel. Também colaborou com marcas de canetas como Posca, Copic e Cis, realizando live paints em eventos. Algumas de suas ilustrações já apareceram em cenários de filmes e turnês musicais. Sua trajetória é prova de que é possível viver da arte local com alcance global.

Mas, apesar do sucesso, ele continua com os pés fincados em Jaraguá do Sul. Quer deixar sua marca na própria cidade. “Meu sonho é fazer um grande painel, ocupar uma parede inteira com uma ilustração minha”, comenta. Agora que o município começa a incorporar murais e intervenções urbanas, Alan vê espaço para isso acontecer.

Sobre o cenário local, é realista: “Jaraguá está começando a entender o valor da arte. Ainda existe o ‘santo de casa não faz milagre’, mas isso está mudando.” Ele acredita que falta união entre os artistas, menos ego e mais troca. “Conheço grandes nomes de São Paulo e do Rio que tratam todo mundo com respeito e compartilham conhecimento. É assim que a arte cresce.”

Para ele, o verdadeiro valor da arte está na emoção. Quando alguém se identifica com uma de suas obras, sente que cumpriu seu papel. “Não é apenas um desenho. É sentimento junto.” E sua definição de arte sintetiza tudo: “Ela está no som, na tinta, nas palavras, na dança, na melodia. A arte é pra todos.”
Uma cidade que se descobre
Os três artistas vivem realidades diferentes, mas compartilham algo essencial: a crença na arte como forma de libertação. Tito busca a transcendência, Cássio o autoconhecimento e Alan a conexão. Suas obras não competem, se completam. São expressões de uma mesma força: a vontade de criar sentido em um mundo acelerado e, muitas vezes, distraído.
Jaraguá do Sul, antes reconhecida apenas pela indústria e pela produtividade, começa a entender que criatividade também é desenvolvimento. Que cultura não é luxo, é identidade. Cada artista que resiste e cria abre espaço para o próximo.
Há uma nova geração observando, aprendendo e acreditando que também pode transformar. Tito, Cássio e Alan não estão apenas fazendo arte. Estão moldando uma cidade mais sensível, mais aberta e mais humana.
Como isso impacta sua vida?
A arte muda a maneira como olhamos para o lugar onde vivemos. Quando uma cidade passa a se reconhecer em seus artistas, ela se transforma. As obras de Tito, Cássio e Alan são mais do que expressão individual — são espelhos coletivos. Elas refletem a alma jaraguaense, suas contradições e sua beleza.
Ao conhecer esses artistas, o leitor também descobre um novo jeito de ver Jaraguá do Sul. Um jeito que mistura ferro e poesia, silêncio e cor, lápis e pixel. Um jeito que revela que, mesmo entre fábricas e avenidas, há espaço para o sonho.
Max Pires
Já criei blog, portal, startup… e agora voltei pro que mais gosto: contar histórias que fazem sentido pra quem vive aqui. Entre um café e um latido dos meus cachorros, tô sempre de olho no que importa pra nossa cidade.