Brasil

Lula vai retomar o programa Mais Médicos, mas desta vez sem os profissionais cubanos

Uma das grandes promessas para a Saúde na era petista, o programa voltará reformulado no governo Lula. A nova versão exclui cubanos que ficaram no Brasil. A intenção é aproveitar brasileiros recém-formados

09/12/2022

“Sou cubano, moro no Brasil há seis anos e trabalhei quatro no Mais Médicos. Meu contrato acabou há três meses e tenho a esperança de voltar para o programa em 2023.” Esse é o breve relato de Rodolfo Jova Morel, de 56 anos, que fixou endereço em Porto Velho, Rondônia. Formado na Universidade de Havana, ele atuou no município rondoniense de Itapuã do Oeste e em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul.

O Mais Médicos, promessa de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva e expectativa de Morel, voltará em nova versão em 2023. No entanto, a premissa é de que seja sem estrangeiros, pois o foco atual é aproveitar a leva de formados em decorrência do aumento dos cursos de Medicina.

Lançado em 2013 pelo governo Dilma Rousseff, o plano tinha como objetivo suprir a carência de clínicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil. Em ação conjunta com Cuba e a Organização Panamericana de Saúde, o projeto trouxe 15 mil médicos cubanos para o País. Em 2018, a proposta foi descontinuada pelo presidente Jair Bolsonaro, que tinha como bandeira acabar com a contratação sem o Revalida, exame que reconhece os diplomas dos que se formaram no exterior.

RONDÔNIA “Ouvir o presidente Bolsonaro te chamar de guerrilheiro, espião e de que você não tem conhecimento algum foi muito humilhante”

Rodolfo Jova obteve direito de retornar ao Mais Médicos na Justiça: esperança em 2023

Na corrida às urnas, Lula citou o Mais Médicos como um de seus objetivos. Assim, cubanos que ficaram no Brasil – aproximadamente 2.500 – vislumbraram a reintegração. Nesse número, há quem conseguiu passar nas difíceis fases do Revalida, outros voltaram a clinicar graças a batalhas na Justiça e tem quem esteja em subempregos ou em nenhum.
Nesse grupo está Morel.

Casado com uma brasileira, o profissional permaneceu no País após a retirada do programa por críticas de Bolsonaro. Esse período é lembrado com tristeza pelo clínico. “Ouvir um presidente te chamar de guerrilheiro e espião foi humilhante”, relata.

Ele conseguiu na Justiça o direito de ser reintegrado ao projeto, do qual se desligou neste ano. Atualmente, estuda integralmente para o Revalida e sentiu no resultado da eleição a sensação de que tudo poderia melhorar. O ânimo inflou quando a equipe de transição do presidente eleito confirmou que analisava o futuro dos cubanos. “O senador Humberto Costa falou da possibilidade de nos colocar para trabalhar de novo”, relembra ele. Inicialmente, o político, que está entre os coordenadores do grupo, deu indícios de que os estrangeiros não seriam esquecidos. “Tem muito médico cubano que ficou e não está exercendo a profissão. Tem que ver se há uma solução para isso. Tem muito brasileiro que fez curso lá fora e não validou o diploma. Teria algum estímulo para revalidar? Há várias alternativas. Não há nada definido”, afirmou Costa. “Não temos nada aprofundado, o importante é viabilizar a oferta de clínicos nas regiões onde há vazios assistenciais. A ideia é refazer o programa. A intenção, a princípio, não é trazer médicos do exterior. Você tem hoje uma formação maior de médicos no Brasil do que havia antigamente.”

“A ideia é refazer o Mais Médicos. A intenção, a princípio, não é trazer profissionais do exterior” Humberto Costa, senador e
coordenador do GT-Saúde

REFORMULAÇÃO Senador estuda o retorno do programa sem estrangeiros para suprir demanda: foco nos brasileiros

O balde de água fria veio na última semana. Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde e também coordenador na transição, indicou que a opção 2.0 terá como prioridade dar vagas para brasileiros ou estrangeiros que tenham sido aprovados no Revalida. “Teremos condições de garantir que as equipes de Saúde da Família em todo o Brasil trabalhem completas, utilizando os médicos brasileiros ou estrangeiros e brasileiros formados no exterior que tenham revalidado seus diplomas”, informou. “Caso não seja possível, vamos lançar mão das prerrogativas da legislação, mas seria uma exceção que, no momento, não é necessária.”

Isso levanta um outro debate, pois o processo de reconhecimento dos diplomas é rigoroso. Além de ser custoso, podendo chegar a R$ 4.500. A médica Marucha Chavez Morales, 42, passou nas difíceis provas. Formada pela Faculdade Ernesto Che Guevara de La Serna-Faculdade de Medicina de Pinar Del Río, ela fez o Revalida em 2017 depois de três anos no Mais Médicos.

Pelo programa, serviu em Apucarana, Paraná, onde reside e clinica. “Todo ano a nota de corte muda e, às vezes, é um pouco exagerada”, lamenta. Em março último, a pontuação mínima exigida foi de 99,6. Em Arapongas, Paraná, a médica Mariselda Betunes Romero, 56, formada no Instituto de Ciências Médicas Santiago de Cuba-Faculdade de Guantánamo, estuda para a aprovação após quatro anos e nove meses de Mais Médicos. As recentes declarações do Grupo de Transição sobre a não contratação dos cubanos não a assustam. “O razoável é esperar diretrizes a partir da visão dos novos governantes. Já vi muitas coisas mudarem em 48 horas”, analisa. E destaca um ponto de confiança que a faz manter a serenidade: “O doutor Chioro foi quem nos recebeu quando chegamos ao Brasil em 2014”.

Mariselda tem razão em aguardar as tratativas. Em contato com a ISTOÉ, o urologista Miguel Srougi, integrante do GT-Saúde, diz que a equipe foca nas questões emergenciais da Saúde: “O Mais Médicos seria, talvez, a segunda prioridade”. Aos colegas, o especialista enviou projetos de sua autoria: ele vê nos recém-graduados uma luz. “No Brasil, se formam 25 mil médicos por ano”, diz. “Creio que se poderia criar um serviço de assistência obrigatória dos que se formam nas universidades públicas. Isso também poderia ser obrigatório para quem se forma nas unidades privadas. Quem estuda numa escola médica pública ganha uma dádiva de graça. Retribuir com um ano de trabalho para a comunidade seria totalmente lógico e pertinente.” Srougi sinaliza outra alternativa. “Sou favorável que os enfermeiros possam prescrever para pacientes.

Na Inglaterra, Estados Unidos, Israel, Japão, Austrália e Alemanha, podem”, aponta. É esperar para ver o que constará no relatório final do time de Lula, afinal o cenário hoje é outro. “O Mais Médicos 2023 enfrentará uma situação sanitária diferente e degradada. O programa vai ter que lidar com uma realidade em que o enfrentamento de pandemias como a da Covid não pode ser considerado uma excepcionalidade”, afirma Walter Cintra Ferreira Junior, médico sanitarista e professor do FGVSaúde.

Urgências de 2023

Às vésperas da posse de Lula, o trabalho para definir as emergências da Saúde não cessa. No domingo, dia 4, o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, se reuniu com representantes de uma comissão de especialistas para debater a área.

SÃO PAULO Geraldo Alckmin após reunião com médicos e professores de instituições de saúde: lista de prioridades

O encontro com dez profissionais aconteceu no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. “Sob a liderança do presidente Lula, faremos uma grande campanha nacional de vacinação para reverter as recentes quedas de cobertura vacinal”, definiu ele. A discussão trouxe à tona outra problemática para 2023.

“Nós precisamos em torno de R$ 20 bilhões a R$ 22 bilhões a mais do que está previsto. Por exemplo, quase não tem recurso para a Farmácia Popular. Quem tem doença crônica precisa tomar remédio. Então, você precisa suprir”, especificou.
Miguel Srougi, integrante do GT-Saúde, ressalta as prioridades. “É necessário resolver o problema dos financiamentos porque haverá menos dinheiro. É necessário resolver a questão das filas. O Brasil tem 11 milhões de pessoas esperando para serem operadas. Muitas morrerão antes de serem chamadas”, alerta.

“Além disso, é preciso ver a questão da vacinação. A varíola está começando a voltar e ela já tinha sido extinta. Para os próximos anos, estão esperando o reaparecimento da poliomielite. Isso é emergencial.” Nessa lista, a imunização de crianças contra o coronavírus é crucial: “A Covid-19 está voltando a matar no País. Isso é urgente”.

 

Conteúdo original publicado por ISTO É

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