A centenária Igreja Santo Estevão: símbolo de fé e resiliência dos imigrantes húngaros em Jaraguá do Sul

Foto: PMJS/Divulgação
Em meio ao cenário bucólico do interior de Jaraguá do Sul, ergue-se um dos mais importantes marcos culturais e religiosos da cidade: a Igreja Santo Estêvão. Mais do que um templo católico, o local representa o espírito resiliente dos imigrantes húngaros que, no fim do século 19, deixaram sua terra natal para construir uma nova vida no sul do Brasil — sem jamais abrir mão de suas raízes, fé e tradições.

A chegada dos húngaros a Jaraguá do Sul: fé e esperança no Novo Mundo
Naquela época, como se sabe, longas viagens exigiam um dose de esforço muito maior do que nos dias atuais. De acordo com o historiador Sidnei Marcelo Lopes, no livro “120 Anos da Imigração Húngara em Jaraguá do Sul”, para sair da Hungria e desembarcar no Brasil, os imigrantes enfrentavam mais de 60 dias viajando de carroça, trem e navio.
Quando, finalmente, chegavam a Blumenau – cidade em que eles eram recebidos em Santa Catarina – ainda precisavam de uma dose extra de energia para, seguindo em carroções e a pé, instalarem-se em Jaraguá do Sul.
“Havia paradas nas localidades de Pomeranos, que pertencia ao município de Blumenau, para um breve descanso; e Rio Ada, no município de Rio dos Cedros. Ambas na época eram pequenas povoações habitadas predominantemente por italianos, poloneses e alemães, no caminho entre Blumenau e Jaraguá, onde descansavam e realizavam um breve contato com os já residentes. Dali em diante era impossível seguir de carroça, pois era necessário penetrar na mata virgem, abrindo picadas no Alto Garibaldi“, destaca Sampaio.
Foi por volta de 1891 que as primeiras famílias húngaras desembarcaram em Jaraguá do Sul. Fugindo de dificuldades políticas e econômicas na Europa, esses imigrantes cruzaram o oceano em busca de um futuro melhor. Ao se instalarem na região que abrange Jaraguá Alto, Garibaldi, Jaraguá 84 e 99, trouxeram consigo não apenas seus pertences materiais, mas uma fé inabalável e um forte sentimento de comunidade.
Desde os primeiros momentos, o grupo se organizou em torno de suas práticas religiosas. A fé católica era elemento central da cultura húngara, e logo surgiu o desejo de construir uma igreja que servisse tanto como local de culto quanto como espaço de integração e apoio mútuo.
“A fé os trouxe até essa nova terra e fez com que permanecessem aqui, buscando uma vida melhor para sua família. Santo Estêvão, como primeiro rei católico da Hungria, é muito reverenciado em sua terra natal e nas terras escolhidas pelos nossos imigrantes. Tinha na família, nos pobres, órfãos e viúvas uma dedicação especial. Foi civilizador, evangelizador e uniu o povo húngaro”, conta a historiadora Silvia Kita.
Não à toa, este seria o santo escolhido para batizar a igreja que se tornaria um marco não apenas da comunidade húngara, mas de toda a cidade.

A construção da Igreja Santo Estêvão: união, trabalho e identidade
No entanto, antes mesmo da construção da Igreja Santo Estêvão, os imigrante húngaros ergueram uma capela-escola em 1894, que, infelizmente, não sobreviveu ao tempo.
Silvia Kita explica a importância do conceito da capela-escola para os primeiros imigrantes:
“A igreja era o centro das atividades da comunidade. Era onde realizavam festas, reuniões e onde os problemas da comunidade eram discutidos. Se observarmos os nomes dos bairros Jaraguá 84 e Jaraguá 99 percebemos que os lotes 84 e 99 eram os reservados para a igreja e e escola, e se tornaram as referências da comunidade, inclusive denominando os bairros”, explica.
Dessa forma, o conceito de capela-escola surge de uma forma bastante natural, afinal, como ela reforça, as famílias imigrantes, além da igreja, também precisavam do ensino escolar para a comunidade:
“Unindo esses dois grandes pilares da tradição húngara, os imigrantes se unem em associações católicas escolares e criam as capelas-escolas. Elas serviam de escola durante a semana e, aos finais de semana, se transformavam em igreja, onde eram realizadas missas e demais sacramentos.”
Mas é só no ano de 1922 que a Igreja Santo Estêvão começa a ser construída. E, mais do que um templo da fé católica, tornou-se um testemunho da força e coragem de um povo.
Erguida com grande empenho coletivo, a obra contou com a participação ativa da comunidade, que realizava eventos para arrecadação de fundos, conhecidos como Kyritag – o Dia da Igreja. Essas festas eram mais do que confraternizações; eram expressões da espiritualidade comunitária e da prática dos valores cristãos como ajuda mútua, respeito e solidariedade, tão presentes no dia a dia dos húngaros que viviam no bairro Garibaldi.
Arquitetura reflete as tradições húngaras
A arquitetura da igreja é um dos aspectos que mais impressionam e refletem a influência direta das tradições húngaras. Destacam-se as abóbadas, os arcos ogivais nas janelas — que remetem a mãos unidas em oração ou ao céu — e a fachada principal, que transmite sobriedade e espiritualidade. O forro foi construído com a técnica artesanal de estuque, utilizando madeiras trançadas e amarradas com cipós, sobre as quais barro era aplicado dos dois lados, uma solução típica das construções do período.
Sobre o altar principal, está a imagem de Santo Estêvão, representado com um manto nas cores da bandeira da Hungria — verde, vermelho e branco. De acordo com relatos da própria comunidade, essa imagem foi encomendada diretamente da Hungria por Georg Wolf, um gesto que reforça o elo espiritual e cultural com o país de origem.

Durante os trabalhos de restauração em 1998, um achado histórico trouxe ainda mais significado ao templo: documentos foram encontrados escondidos em uma das colunas de sustentação da igreja. Escritos em latim, eles traziam a inscrição: “Ao Deus ótimo e máximo, em honra de Santo Estêvão, glorioso rei dos Húngaros”. O conteúdo ainda registra a data da colocação da pedra fundamental: 22 de setembro de 1922, e uma lista com cerca de 70 nomes de imigrantes húngaros e seus descendentes, reconhecidos como os “fundadores da nova igreja”.
A obra seguiu por várias etapas e foi finalizada em 1937. Em 5 de dezembro de 1933, o Padre Henrique Meller realizou a bênção da via-sacra, marcando mais um momento simbólico na trajetória do templo. Desde então, a Igreja Santo Estêvão passou por reformas e melhorias, mas sempre preservando sua essência original.
A comunidade continua ativa e engajada até os dias atuais, celebrando o dia do padroeiro em 2 de setembro, com missas e eventos tradicionais. O templo já foi palco de importantes sacramentos da vida cristã, como primeiras eucaristias, crismas e casamentos, além de ter recebido a visita de autoridades húngaras a partir da década de 1940, o que ajudou a fortalecer os laços diplomáticos e culturais entre Jaraguá do Sul e a Hungria.
Como parte fundamental do patrimônio da cidade, a Igreja Santo Estêvão representa o legado vivo dos imigrantes húngaros e segue sendo referência para os seus descendentes, que encontram no templo não só um espaço de espiritualidade, mas também de preservação da identidade cultural, da história e das tradições que moldaram a região.
Na pedra fundamental, lançada no dia 3 de setembro de 1922, foi colocada a seguinte mensagem:
Ao Deus Ótimo e Máximo, em honra de Santo Estevão glorioso rei dos húngaros, reinando Pio XI, pontífice máximo, exercendo o múnus episcopal Joaquim Domingues de Oliveira, dirigindo a República Brasileira Epitácio Pessoa, eleito governador de Santa Catarina, Hercílio Luz, com a colaboração dos fiéis cristãos desta região, colocada a pedra fundamental aos três de setembro de 1922, começou-se a construir este santuário.
Quem foi Santo Estêvão da Hungria? História, fé e canonização
Estêvão I da Hungria nasceu por volta do ano 969 e entrou para a história como o grande unificador das tribos magiares. Após assumir o trono no ano 997, implementou uma série de reformas que transformaram a Hungria em um Estado cristão, com o apoio direto do Papa Silvestre II, que lhe concedeu uma coroa sagrada como símbolo de sua autoridade espiritual.
Mais do que um governante estratégico, Santo Estêvão também era conhecido por sua humildade e caridade. Fundou dioceses, mosteiros, hospitais e instituições de amparo aos mais necessitados. Sua trajetória de fé e serviço ao povo lhe rendeu a canonização em 1083, sendo proclamado padroeiro da Hungria — e posteriormente, também reverenciado pelas comunidades húngaras espalhadas pelo mundo, como a de Jaraguá do Sul.
Praça Húngara (Magyar tér): um monumento vivo à cultura húngara em Jaraguá do Sul
Ao lado da igreja, um novo símbolo da memória e da cultura húngara foi inaugurado em outubro de 2024: a Praça Húngara – Magyar tér. O espaço, que cobre uma área de mais de 2 mil metros quadrados, foi concebido como um tributo ao legado dos imigrantes e um espaço de convivência para as novas gerações.

A cônsul-geral da Hungria, Zsuzsanna László, esteve presene na inauguração e fez um discurso emocionado:
“Estamos admirados, inspirados e gratos. Este lindíssimo canto do Brasil é um prolongamento simbólico da nossa pátria, a mais de 10 mil quilômetros de distância. Deus proteja os jaraguaenses.”
Já o embaixador húngaro, Miklós Halmai, destacou o quanto ficou surpreso com a cidade e suas belezas. “É uma grande honra estar aqui e poder acompanhar de perto a inauguração deste espaço maravilhoso. Agradeço a todos que tornaram este sonho possível, um símbolo de nossa cultura”, salientou.

Elementos de destaque da praça:
Lança Húngara (Kopjafa): monumento tradicional magiar, originalmente usado para homenagear guerreiros caídos. A peça instalada em Jaraguá do Sul foi dedicada “aos laboriosos de descendência húngara”, reforçando o vínculo com os ancestrais. Foi doada pela família István Zolcsák, da comunidade húngara de São Paulo.
Portal dos Heróis: inspirado no castelo de Veszprém, na Hungria, o portal simboliza a coragem dos pioneiros. Sua arquitetura remete à travessia entre passado e presente, conectando os visitantes à história dos primeiros colonizadores.
Canteiros com as cores da Hungria: vermelho, branco e verde decoram o paisagismo e os painéis da praça, reforçando a identidade nacional húngara e sua presença visual no território catarinense.
Infraestrutura comunitária: a praça conta com memorial das famílias, espaço para ciclistas, anfiteatro para apresentações culturais e academia ao ar livre, consolidando-se como local de lazer, memória e intercâmbio cultural.
Um legado que molda a identidade de Jaraguá do Sul
A presença da comunidade húngara influenciou não apenas a religiosidade local, mas também a formação sociocultural de Jaraguá do Sul. A Igreja Santo Estêvão e a Praça Húngara são hoje patrimônios vivos que conectam o passado ao presente e educam as novas gerações sobre o valor da diversidade cultural.
Além de atrair turistas e pesquisadores, esses locais cumprem papel essencial na valorização da memória coletiva, sendo espaços abertos à contemplação, à fé e ao fortalecimento dos laços comunitários.
