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Coluna: Simplicidade, uma palavra esquecida

Um país de contrastes, cada vez mais desigual. Taxas de desemprego altas e aumento da informalidade se contrapõem ao rentoso mercado de imóveis de luxo.

17/07/2022

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Sônia Pillon é jornalista e escritora, formada em Jornalismo pela PUC-RS e pós-graduada em Produção de Texto e Gramática pela Univille. Integra a AJEB Santa Catarina. Fundadora da ALBSC Jaraguá do Sul.

Na minha infância, tive o privilégio de conviver com o meu avô materno José, a quem aprendi a chamar de “opa”. Sempre que me lembro dele, bate aquela saudade, aquele aperto no peito. Era um marceneiro e tanto, a ponto de ter projetado a maioria dos móveis da própria casa. Um homem simples, de hábitos modestos, que tinha um coração de ouro. Dedicou a vida ao trabalho e à família, aos filhos e netos.

Opa José tinha pouco estudo, começou a trabalhar muito cedo. Ele não se importou em se sacrificar para que os dois filhos tivessem uma boa formação em escola particular. Há quem o achasse sem ambição por ser um homem pacato, mas a cada dia que passa, tenho a certeza do quão sábio ele era: as maiores alegrias são encontradas nas coisas simples. Quanta gratidão pelas lições que ele me deixou!

Cargos, títulos e honrarias são alegrias efêmeras e muitas vezes geram falsas amizades, que brotam motivadas pelas aparências e pela superficialidade. Amigos de verdade gostam da sua essência como ser humano, sem se importar com status, ou quanto você carrega no bolso. São aqueles que olham nos olhos e você sente sinceridade. São os que comemoram verdadeiramente quando algo bom acontece na sua vida. Quantas pessoas você conhece com esse perfil? Simplicidade, uma palavra esquecida…

Essa semana me deparei com uma manchete em site de notícias que reforçou ainda mais a certeza de que os contrastes, ou melhor, as discrepâncias entre os que têm muito e os que pouco ou nada têm para sobreviver só aumentam. No caso específico, se trata de uma reportagem produzida no Rio de Janeiro, apontando que brasileiros e estrangeiros continuam a investir em imóveis de luxo.

Uma das fontes dessa informação é de um belga radicado há 16 anos no Brasil, diretor de empresa voltada a imóveis de luxo. Segundo ele, “o mercado de luxo ainda não está em crise. Está indo muito bem”. A justificativa é a desvalorização do real.

Para esse nicho tão seleto de mercado, é perfeitamente viável investir em imóveis com valores variáveis entre R$ 40 milhões a R$ 100 milhões no Brasil, considerando que são preços que “nem se comparam a coberturas em Paris, Londres, ou Nova York”…

Enquanto isso, a realidade brasileira grita em relação à desigualdade quando o assunto é morar dignamente. Os últimos dados disponíveis são de 2019, apontando que o déficit habitacional no Brasil é de 5,876 milhões de moradias, de acordo com a Fundação João Pinheiro. E a partir da pandemia, é nítido que a população de sem-teto no país cresce vertiginosamente. Tudo isso é reflexo da situação econômica. De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais de 10 milhões e 600 mil pessoas estão em busca de emprego. Já o PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), indica que são estimados 39,139 milhões de trabalhadores informais no país. Estimativas também apontam que 42 milhões de brasileiros estão superindividados, população equivalente à Argentina.

E assim seguimos nesse país, cada vez mais desigual.

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