Marrakech: a casa que abrigou noites lendárias em Jaraguá do Sul
Nos anos 90, a Boate Marrakech, “A Casa do Futuro”, marcou Jaraguá do Sul com festas lendárias, concursos, shows e noites que movimentaram toda uma geração.
Aniversário do Gargamel na Boate Marrakech Foto: Arquivo Ricardo Treis
Luzes, espuma e liberdade: nos anos 90, a Marrakech transformou Jaraguá do Sul em um ponto de encontro para uma geração que dançava até o amanhecer.
Havia um tempo em que o Centro de Jaraguá do Sul ganhava outro brilho nas noites de sexta e sábado. Era o tempo da Boate Marrakech, inaugurada em 1989 pelo empresário Sérgio Cunha, que a tornou conhecida como a “Casa Futuro”. Um nome à altura da promessa: o endereço se tornaria símbolo da juventude jaraguaense de classe média e alta, reunindo gerações em festas que marcaram época e definiram o que era viver intensamente os anos 90.
O som e a luz de uma nova era
Quem entrava na Marrakech percebia logo que estava em um lugar diferente de tudo o que Jaraguá já tinha visto. No térreo, o amplo salão abrigava a pista principal, cercada por um ambiente moderno e vibrante. Em um dos cantos, uma fonte iluminada dava um toque cenográfico; e acima da pista, o mezanino servia de espaço reservado para convidados quando havia festas especiais.
No centro do salão, o personagem mais lembrado: o Órion, uma mistura de lustre-robô e disco voador que subia e descia sincronizado à batida, abrindo “tentáculos” e espalhando reflexos e feixes de luz por todo o ambiente. Globos espelhados, flashes coloridos e fumaça criavam uma atmosfera que rivalizava com casas badaladas de capitais como Florianópolis e Curitiba. Era possível sentir-se em outro mundo, mas tudo acontecia ali mesmo, em Jaraguá do Sul.
Do lado de fora, uma choperia que ocupava toda a área frontal também lotava nos dias de maior movimento. Era composta de mesas e cadeiras estofadas para duas pessoas, e servia além de bebidas, petiscos diversos. Em muitas noites, ficava lotado. Alguns preferiam ficar ali, conversando, rindo e observando o movimento, sem sequer entrar na pista. Era parte do charme da Marrakech: o encontro social começava antes da música.

O palco das grandes festas
A Marrakech ficou famosa por suas noites temáticas e concursos que mobilizavam toda a cidade. A cada novo evento, crescia a expectativa: o que viria desta vez?
Entre as atrações mais marcantes estavam a Festa da Espuma, Garota Stúdio FM, o Miss Jaraguá, a Garota colégio tal, e a Escolha da “Gata Camiseta Molhada“, entre outras celebrações que misturavam irreverência, glamour e alegria.
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O “Clube de Mulheres”
Em dezembro de 1992, a Marrakech trouxe a Jaraguá do Sul uma atração que refletia o espírito da época: o Clube de Mulheres. O show, com modelos e dançarinos como Rubens D’Ávila, Sandro Brun e Marcelo Araújo, seguia a febre provocada pela novela De Corpo e Alma, de Glória Perez, que exibia na TV o mesmo tipo de espetáculo, uma casa de striptease masculino que gerou enorme repercussão. A versão jaraguaense lotou a boate e despertou curiosidade até de quem nunca havia ido à Marrakech. Fotos eram proibidas, mas uma câmera discreta conseguiu captar os momentos.

A aniversariante que saiu nua do bolo
O burburinho tomou conta da cidade. Uma das figuras conhecidas das noites da Marrakech faria aniversário, e o convite trazia a promessa ousada: “fulana (nua) saindo do bolo”. A curiosidade encheu a casa. No palco, um painel de madeira em formato de bolo já prenunciava o inusitado. Chegou o momento: A música para, o DJ muda o som e, sob luzes focadas, ela surge — nua, coberta apenas por espuma de barbear em partes estratégicas do corpo. A plateia vibrou. Durou segundos, mas bastou para entrar para o folclore das noites da Marrakech.

Uma balada onde todo mundo se divertia
Era difícil encontrar quem não tivesse pelo menos uma história de pista ou de bastidor da Marrakech. Alguns lembram até hoje: “Balada de primeira era a Marrakech. Pra alguns era lugar de boyzinho e patricinha, mas todo mundo se divertia”, recorda uma frequentadora.
Além das festas, a boate também recebeu shows de bandas conhecidas, como o Ira!, que atraiu público de toda a região e consolidou o espaço como referência cultural. Mais pro final, apresentação de cantoras internacionais que eram presença na famosa parada (na época) “As 7 melhores da Jovem Pan“.
A trilha sonora da geração
A Marrakech foi o som de uma virada de época. O fim da disco e o início do pop eletrônico e do house que definiriam os anos 90.
Os DJs misturavam Fine Young Cannibals, Snap! e C+C Music Factory. O refrão de “She Drives Me Crazy” fazia o público vibrar antes de dar lugar a “Rhythm Is a Dancer”. E quando vinham os primeiros acordes de “Gonna Make You Sweat (Everybody Dance Now)”, não havia espaço vazio na pista. Também ecoa na memória 3 AM Eternal (KLF).
Tocava uns rocks também, para atender a outros frequentadores, como Twist and Shout (Beatles), Sweet child of mine (Guns and Roses), entre outras.
Muito além da música
Mas a Marrakech foi mais que som, luz e dança. Foi um ponto de encontro cultural e social de uma geração. Jovens que durante a semana estudavam ou trabalhavam nas indústrias locais se encontravam ali para viver um tempo de liberdade, moda e descoberta.
Era onde se experimentavam novos estilos, onde se via quem estava “em alta”, onde amizades e amores nasciam.
O ambiente era sofisticado, o atendimento cuidadoso, e o clima de exclusividade marcava presença. Era comum encontrar pessoas vestidas com esmero, refletindo a moda da época .Meias 3/4, calça baggy, moda grunge: os figurinos se renovavam conforme as tendências iam mudando.
“Era o lugar onde tudo acontecia”, contam os frequentadores. E basta ouvir o nome Marrakech para que um sorriso e uma lembrança surjam automaticamente.
O fim de uma era, o início da saudade
Com o tempo, novas boates surgiram, a cena noturna mudou e Jaraguá do Sul ganhou outros endereços de diversão. Mas nenhuma substituiu o que a Marrakech representou.
A mistura de juventude, elegância e som eletrônico ficou guardada na memória da cidade — como uma fotografia em movimento, iluminada pelo reflexo do Órion e pela energia de uma geração que viveu a noite com intensidade.
Hoje, lembrar da Boate Marrakech é revisitar os anos 1990 uma Jaraguá vibrante, ousada e cheia de histórias. Um tempo em que bastava o letreiro acender para que todos soubessem: o fim de semana havia começado.
Marcio Martins
Profissional da comunicação desde 1992, com experiência nos principais meios de Santa Catarina e no poder público. Observador, contador e protagonista de histórias, conheço Jaraguá do Sul como a palma da mão