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Obsolescência programada

Você já teve a impressão que há pouco tempo as coisas que comprávamos tinham uma vida útil mais longa? E que mesmo se quebrassem ou necessitassem de reparo, era possível (e por vezes até mesmo fácil) de consertá-las? De lá para cá, por qual motivo o consumo sofreu tantas mudanças? Será que essa crescente onda de “substituição” é legal, juridicamente falando?

03/08/2021

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OAB/SC 54.861. Possui pós-graduação em Direito Civil e MBA em Gestão Empresarial. Graduanda em Gestão do Inventário Extrajudicial

Não é raro ouvirmos nossos pais e avós dizendo (ou até mesmo nós próprios termos a impressão) que há pouco tempo as coisas que comprávamos tinham uma vida útil mais longa, sendo que mesmo se quebrassem ou necessitassem de reparo, era possível (e por vezes até mesmo fácil) de consertá-las.

Com as crescentes inovações e novidades tecnológicas surgindo no mercado, a cada dia que passa é mais comum pensarmos em substituir e não em consertar.

Em meio a este cenário, surge a tal da “obsolescência programada”, um fenômeno que ocorre quando o fornecedor comercializa produtos que apresentam durabilidade menor do que a esperada, afetando não apenas o mercado de consumo, mas igualmente a vida dos consumidores (vulgo, nós).

Assim, esses produtos tornam-se obsoletos/ultrapassados não apenas pelos avanços da tecnologia em si, mas por um ato premeditado que visa manter o consumo (e consequentemente o giro da economia) em maior velocidade.

Adquirimos um produto moderno com satisfação, mas no fundo já sabemos que em pouco tempo sua validade chegará ao fim, sendo necessário substituir por um novo produto ainda mais moderno.

Em determinadas situações, quando o produto se danifica e queremos consertá-lo, não encontramos as peças de reposição ou reparação, ou, quando encontramos, estas são vendidas a elevado preço, a ponto de não compensar consertar, mas sim comprar um produto novo.

Será que essa onda de obsolescência é legal, no sentido jurídico da palavra?

Teoricamente, a obsolescência programada não é um crime ou uma prática ilegal, pois não existe previsão expressa neste sentido no Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, sabemos que tudo possui uma vida útil, nada vai durar para sempre.

Porém, pense bem: qual é o prazo razoável para duração de um produto? Por quanto tempo deveriam permanecer disponíveis no mercado as peças de reposição ou reparo?

Apesar de ser uma questão ainda pouco explorada, é possível notar-se uma crescente preocupação com estes questionamentos perante os Tribunais e órgãos de defesa dos direitos do consumidor, principalmente em razão da vulnerabilidade econômica e técnica do consumidor perante as grandes empresas.

Certamente que antes de qualquer posicionamento ou opinião é necessário analisar, caso a caso, o defeito, grau de dificuldade em encontrar peças de reposição, utilidade e relevância do produto e até mesmo se o dano ocorreu dentro de uma linha de tempo razoável.

Recentemente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro abordou essa questão e reconheceu, no julgamento de uma apelação (autos nº. 0019093-47.2018.8.19.087), que a obsolescência programada tornou o tempo de vida de um componente eletrônico inútil pouco tempo após o término do prazo de garantia, condenando o fornecedor a reembolsar ao consumidor as despesas com o reparo do produto e indenizar-lhe pelos danos morais sofridos.

Contudo, como este tema ainda não está pacificado, há Tribunais que (ao contrário da decisão comentada) entendem que a obsolescência é um fenômeno natural, não havendo motivos para indenização ou condenação.

Certamente que o consumo é livre e a evolução tecnológica e inovação temporal são necessárias (afinal, queremos soluções diversificadas e eficientes para nossos problemas cotidianos), contudo, forçar o consumo em razão da rapidez com que os produtos se tornam obsoletos, e principalmente, impedindo a continuidade de uso destes itens (levemente) mais antigos parece uma via a ser evitada, se levarmos em conta a questão da sustentabilidade.

ATENÇÃO: esta publicação possui meramente caráter informativo, não substituindo uma consulta com profissional especializado.

 

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